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22.1.09

GILMAR MENDES QUER QUE STF USURPE PRERROGATIVA DO EXECUTIVO

A imprensa finalmente revelou qual a carta que o presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes tem na manga para, em sintonia com a posição italiana – como ocorre desde que ordenou a prisão de Cesare Battisti em março de 2007 –, tentar ainda evitar a concessão do refúgio humanitário ao escritor, já decidida pelo governo brasileiro.

Quando o STF voltar do recesso, no dia 2 de fevereiro, Mendes colocará em discussão se o Executivo tem competência para decidir se foi comum ou político o crime cometido por um estrangeiro.

Ou seja, volta a bater numa surrada tese das viúvas da ditadura brasileira: a de que, ao responder ao fogo dos usurpadores do poder que impuseram o terrorismo de estado em nosso país e cometeram as piores atrocidades, os resistentes estariam cometendo crimes comuns.

Quer anular, com uma penada, o milenar direito de resistência à tirania, que desde a Grécia antiga inspira os melhores cidadãos a não se vergarem a déspotas.

Mendes já deu declarações públicas igualando as práticas hediondas cometidas pela ditadura de 1964/85 aos excessos porventura praticados por membros da resistência, convenientemente omitindo que, no primeiro caso, tratava-se de uma regra, uma política de estado não assumida formalmente, mas praticada generalizadamente; e no segundo caso, de exceções condenáveis, mas compreensíveis no contexto de uma luta que os resistentes travavam em condição de extrema inferioridade de forças, contra um inimigo que não hesitava em seqüestrá-los e executá-los ao arrepio de qualquer lei, como fez na Casa da Morte de Petrópolis e no final da campanha do Araguaia.

Incapaz de fazer valer sua tese no caso brasileiro, Mendes espertamente escolheu um que lhe parecia mais adequado para fincar uma cunha na nossa nobre tradição de acolher perseguidos políticos de todos os países e convicções: o de um ex-militante da ultra-esquerda italiana que combateu o compromisso histórico firmado entre a democracia-cristã e os comunistas.

Ocorre que, longe de ser caso isolado, o Proletários Armados para o Comunismo, no qual Battisti militou, era um dentre aproximadamente 500 grupúsculos de esquerda radical que confrontaram o Estado italiano na década de 1970, num fenômeno indiscutivelmente político e que foi enquadrado numa legislação criada com o único objetivo de combater a dita subversão.

Assim, as sentenças italianas contra Battisti afirmam que os delitos a ele imputados são integrantes de “um só projeto criminoso, instigado publicamente para a prática dos crimes de associação subversiva constituída em quadrilha armada, de insurreição armada contra os poderes do Estado, de guerra civil e de qualquer maneira, por terem feito propaganda no território nacional para a subversão violenta do sistema econômico e social do próprio País”.

Mas, o que era bom para a Itália, não era bom para o Brasil. Face à legislação brasileira, que veda a extradição de perseguidos políticos, os italianos não tiveram outra saída se não desdizerem o que haviam dito e tentarem convencer-nos de que Battisti não passava de um marginal qualquer.

Quando perceberam que não éramos crédulos a esse ponto, ficaram furibundos: como esses seres inferiores ousam não engolirem nossas mentiras? E, com toda arrogância do mundo, se puseram a pressionar nossas instituições, tomando uma série de atitudes que configuraram claras agressões à soberania brasileira.

Reincidência - Será a segunda tentativa que Gilmar Mendes fará, no sentido de convencer o STF a usurpar essa prerrogativa do Executivo: em 2007, antes de ser conduzido à presidência, ele foi o único ministro a sustentar que o Supremo deveria discutir se os crimes atribuídos a Olivério Medina, ex-integrante das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), eram políticos ou comuns.

Na ocasião, o STF reconheceu que a decisão do governo brasileiro, concedendo o status de refugiado político a Medina, havia sido juridicamente perfeita, pois a lei que regulamenta a concessão do benefício (a 9.474, de 22/0871997, conhecida como Lei do Refúgio) é taxativa: o "reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição".

Mendes agora pedirá aos ministros do STF que voltem atrás no seu entendimento anterior, utilizando apenas o argumento esfarrapado de que, no caso de Medina, o Conare (Conselho Nacional para os Refugiados) foi favorável à concessão do refúgio e agora indeferiu o pedido, em votação dividida (3x2).

Ocorre que o Conare é apenas primeira instância e o ministro da Justiça, a instância definitiva, conforme igualmente estabelece a Lei 9.474:

Art. 12. Compete ao CONARE (...):
I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância [grifo meu], da condição de refugiado;

Art. 29. No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça [grifo meu], no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação.

Art. 31. A decisão do Ministro de Estado da Justiça não será passível de recurso [grifo meu], devendo ser notificada ao CONARE, para ciência do solicitante, e ao Departamento de Polícia Federal, para as providências devidas.

A Lei do Refúgio é claríssima, não dando margem a nenhum contorcionismo jurídico que possa compatibilizá-la com a pretensão de Mendes. O que ele quer, em última análise, é alterá-la em essência, o que não é nem nunca será atribuição do STF.

Espera-se que os ministros do Supremo rejeitem mais uma vez o casuísmo proposto por Mendes, evitando mergulhar o País numa crise institucional apenas porque um alto magistrado insiste em impor-lhes sua vontade e confrontar o Executivo.

5 comentários:

Cássio Augusto disse...

revoltante é ver a campanha que a Globo faz tdas as noites no JN... sempre chamando Batisti de "terrorista" ou "assassino"!!!

Anônimo disse...

Atenção: Não quero permanecer anônimo, mas não consigo registrar meu URL.

Meu nome é
CARLOS ALBERTO LUNGARZO
Tem mais dados sobre mim no final

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Como herdeiro das tradições mais herméticas das elites mundiais, o judiciário é um espaço no qual prevalece o confuso, o retórico, o pretendidamente formal, de tal maneira que nenhuma lógica, nenhuma prova empírica, nenhum raciocínio do senso comum, pode ir contra a vontade daquelas figuras togadas, que interpretam a lei, e, até tempos recentes (e ainda hoje, em alguns casos),o fazem sob um ritual irracional e travês de um jãrgão impossível de entender para os simples mortais.
Assim, sendo, não é possível cobrar racionalidade nem objetividade desta instituição, pelo menos, até que novas tendências que se abrem passo lentamente (por exemplo, a justiça restaurativa), consigam aparecer em este caos de maniqueísmo e aristocracia feudal.
É interessante notar que o STF nem sempre teve uma composição homogênea, o que prova, em adição, que suas decisões podem depender do acaso de que, no momento da sentença, estejam aí figuras mais esclarecidas e humanitárias, ou outras mais oportunistas e negociadoras.
Não sei se o STF ATUAL tem em conta um caso exemplar, que foi julgado por "outro" STF em 1989, no qual, RECUSOU A EXTRADIÇÃO de um jovem militante pedido pelo governo argentino (que NÃO era já, naquela época, uma ditadura, mas uma democracia que, com todos seus defeitos, padecia menos de corrupção e de infiltração de máfia que a justiça italiana). Mas, foi além: durante a audiência pública, a Embaixada Argentina enviou um provocador (bem mais discreto, dito seja de passagem, que os portavozes do governo mafio-fascista-inquisitorial de Berlusconi). O presidente do tribunal arriscou-se a um incidente diplomático, e teve a coragem de pedir que abandonasse a sala.
Mas tudo isto talvez seja anedótico, comparado com o fato maior; NAQUELA SENTENÇA, O STF APRESENTOU UMA DEFINIÇÃO DO QUE "NÃO DEVERIA ENTENDER-SE POR TERRORISMO". Este foi um fato brilhante, com poucos precedentes em outros tribunais do planeta.
Não sei se os defensores de Battisti tem conhecimento dele, porque, embora todos mencionem o caso do Padre Olivera, ninguém fala neste. Coloco em anexo uma cópia. Se o STF votar em contra de Batisti, terá que reconhecer que "a justiça mudou" e que agora terrorismo é outra coisa, não é mais aquela. Aliás, foi o que Gilmar Mendes sugiriu ao comparar às vítimas do terrorismo de estado com torturadores e genocidas.
O original está no site do STF
Cordialmente

Atenção: este comentário NÂO é anônimo, mas não estou conseguindo registrar meu URL. Então:

Carlos Alberto Lungarzo
RAU de Anistia Internacional
11-9939-1501
São Paulo, SP

=================================

EXTRADIÇÃO
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 04/10/1989 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação

DJ 03-08-1990 PP-07235 EMENT VOL-01588-01 PP-00142

RTJ VOL-00132-02 PP-00652

Parte(s)

REQTE. : GOVERNO DA REPÚBLICA ARGENTINA

EXTRDO.: FERNANDO CARLOS FALCO

ADVDO. : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO

Ementa

EXTRADIÇÃO. ARGENTINA. INVASAO DO QUARTEL DE LA TABLADA. CRIMINALIDADE POLITICA. DENEGAÇÃO. 1. PEDIDO DE EXTRADIÇÃO: DELE SE CONHECE, EMBORA FORMULADO POR CARTA ROGATÓRIA DE AUTORIDADE JUDICIAL, SE AS CIRCUNSTANCIAS DO CASO EVIDENCIAM QUE O ASSUMIU O GOVERNO DO ESTADO ESTRANGEIRO. 2. ASSOCIAÇÃO ILICITA QUALIFICADA E A REBELIAO AGRAVADA, COMO DEFINIDAS NO VIGENTE CÓDIGO PENAL ARGENTINO, SÃO CRIMES POLITICOS PUROS. 3. (A) - FATOS ENQUADRAVEIS NA LEI PENAL COMUM E ATRIBUIDOS AOS REBELDES - ROUBO DE VEÍCULO UTILIZADO NA INVASAO DO QUARTEL, E PRIVAÇÕES DE LIBERDADE, LESÕES CORPORAIS, HOMICIDIOS E DANOS MATERIAIS, PERPETRADOS EM COMBATE ABERTO, NO CONTEXTO DA REBELIAO -, SÃO ABSORVIDOS, NO DIREITO BRASILEIRO, PELO ATENTADO VIOLENTO AO REGIME, TIPO QUALIFICADO PELA OCORRENCIA DE LESÕES GRAVES E DE MORTES (LEI DE SEGURANÇA NACIONAL, ART. 17): FALTA, POIS, EM RELAÇÃO A ELES, O REQUISITO DA DUPLICE INCRIMINAÇÃO. 3. (B) - A IMPUTAÇÃO DE DOLO EVENTUAL QUANTO AS MORTES E LESÕES GRAVES NÃO AFASTA NECESSARIAMENTE A UNIDADE DO CRIME POR ELAS QUALIFICADOS. 4. DITOS FATOS, POR OUTRO LADO, AINDA QUANDO CONSIDERADOS CRIMES DIVERSOS, ESTARIAM CONTAMINADOS PELA NATUREZA POLITICA DO FATO PRINCIPAL CONEXO, A REBELIAO ARMADA, A QUAL SE VINCULARAM INDISSOLUVELMENTE, DE MODO A CONSTITUIREM DELITOS POLITICOS RELATIVOS.

---------------
5. NÃO CONSTITUI TERRORISMO O ATAQUE FRONTAL A UM ESTABELECIMENTO MILITAR, SEM UTILIZAÇÃO DE ARMAS DE PERIGO COMUM NEM CRIAÇÃO DE RISCOS GENERALIZADOS PARA A POPULAÇÃO CIVIL: DISPENSAVEL, ASSIM, O EXAME DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 77, PAR-3, DO ESTATUTO DOS ESTRANGEIROS.
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Indexação

- EXTRADIÇÃO, CRIME POLÍTICO, DEFERIMENTO, IMPOSSIBILIDADE, REVOLUÇÃO,

ABSORÇÃO, CRIME COMUM, ROUBO, VEÍCULOS, LESÃO CORPORAL, HOMICÍDIO,

DOLO, IMPUTAÇÃO, AFASTAMENTO, UNIFICAÇÃO, CRIME, AUSÊNCIA, EXTRADIÇÃO,

CARTA ROGATÓRIA, CONHECIMENTO, MOTIVO, GOVERNO ESTRANGEIRO,

CONFIRMAÇÃO.

IN0052, EXTRADIÇÃO, CRIME POLÍTICO.

PN0873, CRIME CONTRA A SEGURANÇA NACIONAL, TERRORISMO.

IN0115, EXTRADIÇÃO, VIA CARTA ROGATÓRIA.

Legislação

LEG-FED CF ANO-1891

CF-1891 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

LEG-FED CF ANO-1937

CF-1937 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

LEG-FED CF ANO-1988

ART-00004 INC-00008 ART-00005 INC-00003

INC-00043 INC-00044 ART-00052

CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

LEG-FED DEL-002848 ANO-1940

ART-00019 ART-00129 PAR-00002 INC-00003

INC-00004 ART-00233 ART-00258

CP-1940 CÓDIGO PENAL

LEG-FED LEI-006815 ANO-1980

ART-00003 ART-00077 ART-00080

EE-1980 ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

LEG-FED LEI-007170 ANO-1983

ART-00017 PAR-ÚNICO

LSN-1983 LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

LEG-FED LEI-007209 ANO-1984

Observação

Votação: unânime.

Resultado: conhecido e indeferido.

Acórdãos citados: Ext 232 (RTJ-26/1), Ext 356 (RTJ-92/954),

Ext 378 (RTJ-97/1) Ext 417 (RTJ-111/16).

Caso: "La tablada".

Obs.: - Código Penal Argentino, artigo 210, bis, alíneas a, b, d

artigo 226 § 2º.

- Código Penal Italiano, artigo 8

- Lei 23077/84, artigo 236

N.PP.: (96).

Alteração: 17/07/07, (MLR).

Doutrina

OBRA: DA RESPONSABILIDAD PENAL POR OTRO RESULTADO MÁS GRAVE,

"PROBLEMAS ACTUALES..."

AUTOR: BUENOS AIRES ENRIQUE RAMOS MEJFA

ANO: 1970 PÁGINA: 203

OBRA: LEI DA SEGURANÇA DO ESTADO

AUTOR: CÉLIO LOBÃO

ANO: 1982 PÁGINA: 79

OBRA: ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

AUTOR: YOUSSEF SAID CAHALI

ANO: 1983 PÁGINAS: 349/351

fim do documento

José Carlos Lima disse...

do gilmar tudo que não presta pode se epserar

celsolungaretti disse...

Carlos Alberto, foi uma boa lembrança. Obrigado.

Mais do que o Battisti, quem estará sendo julgado é o STF. Se acrescentar outra decisão suspeita às muitas que vem tomando, perderá de vez a credibilidade.

Anônimo disse...

De nada, Celso, eu que agradeço pela oportunidade de contribuir.
Abraços
Carlos Lungarzo

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