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31.12.10

A DECISÃO DE LULA E O "JUS SPERNIANDI" DE PELUSO

Dignamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a palavra final do Brasil a respeito da pretensão do Governo Berlusconi, de obter a cabeça do escritor e perseguido político Cesare Battisti para exibi-la como um troféu do suposto triunfo da mais retrógrada e intolerante direita européia sobre os ideais de 1968: o pedido de extradição está definitivamente negado.

Battisti morará e vai escrever seus livros no território brasileiro, a salvo da  vendetta  neofascista.

O que resta, doravante, é um exercício de  jus sperniandi  por parte do presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, que precisa de mais algumas semanas para digerir a devastadora derrota pessoal que acaba de sofrer. E é apenas isto que terá.

No fundo, o Caso Battisti só está prestes a completar quatro anos porque, desde o primeiro momento, o STF tem agido como um Poder alinhado com um governo estrangeiro, a golpear instituições e tradições brasileiras.

Por que ordenou a prisão de Battisti em fevereiro de 2007, se era um homem que levava existência pacata, honesta e produtiva há quase três décadas? Não seria suficiente a liberdade vigiada?

A detenção já não se constituiu num prejulgamento, além de uma tentativa de influenciar o julgamento propriamente dito com a produção e farta difusão de imagens negativas?

Por que a exibição de algemas choca tanto o ministro Gilmar Mendes quando o algemado é suspeito de estar praticando crimes financeiros aqui e agora, mas nem um pouco quando se trata de um acusado de haver cometido crimes políticos em outro país, no longínquo final da década de 1970?

A GUERRILHA JUDICIAL DA DUPLA DIREITISTA

Se dúvidas havia quanto à necessidade de manter Battisti preso, deixaram totalmente de existir em janeiro de 2009, no exato momento em que o ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu-lhe refúgio humanitário.

Pela Lei do Refúgio e pela jurisprudência consolidada em vários casos, só restava ao STF arquivar o pedido berlusconiano, como arquivara outros, idênticos, no passado.

Mas, na condição de homens de direita que são e sempre evidenciaram ser, o então presidente do Supremo Gilmar Mendes e o relator Cezar Peluso resolveram subverter o Direito, lançando uma espécie de guerrilha judicial contra o Estado brasileiro:
  • não encerrando o processo nem libertando Battisti, como deveriam ter feito;
  • permanecendo surdos aos muitos e fundados pedidos de libertação do escritor, nem que fosse para aguardar sob vigilância a pantomima que os dois preparavam com lentidão exasperante;
  • tudo fazendo para que o Supremo, numa das decisões mais infelizes e grosseiras de sua História, revogasse, na prática, a Lei do Refúgio, o que (legislar) não é, nunca foi nem jamais será  atribuição do STF; e
  • linchando Battisti, ao julgar seu caso com base não num relatório, mas num panfleto, uma peça da mais gritante e escancarada tendenciosidade.
Jamais eu vira, numa vida inteira de participação em lutas sociais e exercício do jornalismo, o relator de um caso polêmico encampar TODOS os argumentos de uma parte e NENHUM da outra. Mais unilateral, impossível.

Mesmo assim, a escalada de arbitrariedades foi detida quando um dos ministros que até então sustentatva a frágil maioria de 5x4 recuou, horrorizado, ante a tentativa de usurpar-se do presidente da República a prerrogativa de dar a palavra final no caso.

O que não impediu Mendes e Peluso de, após o fim do julgamento, ainda darem um jeito de reabri-lo para alterar o já decidido, numa manobra sem precedentes nos anais do STF, como notou o ministro Marco Aurélio de Mello: a pretexto de esclarecer um voto, enxertaram um condicionamento.

ITALIANOS TRAMARAM ASSASSINATO DE BATTISTI

Mas, obrigando Lula a ater-se aos termos do tratado de extradição entre Brasil e Itália, não lhe criaram real embaraço.

Pois, se o fundado temor de que o extraditado venha a sofrer "atos de perseguição e discriminação" é motivo suficiente para deixar de entregá-lo ao solicitante, não há mais o que discutirmos:
  • é público e notório que o Serviço Secreto Italiano tramou com mercenários o assassinato de Battisti na América do Sul, só não levando o plano adiante por divergência quanto ao preço do  serviço;
  • autoridades e entidades italianas estão, desde fevereiro/2009, dando as mais despropositadas e furibundas declarações a respeito de Battisti, incluindo ameaças de retaliação ao Brasil, promessa de vingança de uma associação de carcereiros e a bizarra confissão do então ministro da Justiça Clemente Mastella, ao reconhecer que a promessa de reduzir a pena de Battisti, de prisão perpétua para o máximo que a legislação brasileira permite (30 anos) estava sendo feita de má fé, só para nos iludir.
Tal incontinência verbal, aliás, veio ao encontro do que o principal jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, já alertara: a Itália não dispõe de nenhum instrumento jurídico que lhe permita adequar sua sentença à exigência brasileira. Recorre a subterfúgios espúrios, simplesmente.

Só não sei como qualificar a    de juristas brasileiros que supostamente ignoram aquilo que tinham a obrigação de saber, pois foi noticiado pela própria imprensa italiana.

É simplesmente inegável e insofismável, salta aos olhos e clama aos céus, que Battisti não só vai ser perseguido e discriminado, como correrá enorme perigo de vida caso seja despachado para a Itália.

AUTORIDADE PRESIDENCIAL EM XEQUE

Se Cezar Peluso quiser apenas dividir a responsabilidade pelo arquivamento do pedido italiano com o restante dos ministros, isto já deporá contra ele, pois a característica mais marcante de sua gestão está sendo exatamente a paralisia do Supremo.

Pior: caso, como faz supor a indicação de Gilmar Mendes para relator, o que ele pretenda é questionar a decisão do presidente da República, aí entraremos num terreno perigosíssimo.

O Supremo já decidiu que cabe ao presidente da República o papel de última instância, respeitando os termos do tratado de extradição Brasil-Itália.

Foi o que Lula fez, utilizando argumentação cabível e consistente, como condutor que é da política externa brasileira e contando com as informações privilegiadas (muitas das quais sigilosas) de que dispõe exatamente por exercer tal função.

Se o STF se dispuser a esmiuçar os elementos de convicção de um presidente, este será obrigado a revelar aquilo que tem por obrigação guardar para si, o que poderá gerar graves transtornos e prejuízos para o Brasil, conflitos internacionais e até guerras.

Então, há um limite para a invasão das prerrogativas presidenciais por parte do STF. E este limite será ultrapassado se o Supremo se meter a destrinchar esta decisão do Executivo, respaldada num parecer tecnicamente inatacável da Advocacia Geral da União e que, ao próprio senso comum, evidencia-se como o chamado  óbvio ululante.

Até o  sujeito da esquina -- aquele personagem ao qual o ministro Gilmar Mendes se referiu como se fosse o cocô do cavalo do bandido -- percebe que Cesare Battisti não terá seus direitos respeitados na Itália.

É um país:
  • que fechou os olhos a torturas e maus tratos durante os  anos de chumbo;
  • que fez, então, leis retroagirem para abarcar fatos ocorridos antes de sua promulgação.
  • que admitiu estender prisões preventivas (ou seja, de meros suspeitos que ainda não haviam recebido sentença nenhuma) por mais de dez anos;
  • que julgou réus ausentes, aceitando que fossem representados por advogados munidos de procurações forjadas e não voltando atrás quando a falsificação ficou indiscutivelmente provada;
  • que tramou atentado pessoal contra Battisti e moveu-lhe uma campanha de difamação tão falaciosa quanto enormemente vultosa.
NOVA FORMA DE GOLPISMO EM EMBRIÃO?

Aliás, pateticamente, o governo italiano acaba de afirmar em nota oficial que "o presidente Lula deveria explicar tal escolha não apenas ao governo, mas a todos os italianos e, em particular, às famílias das vítimas e a um homem reduzido a viver em uma cadeira de rodas".

Trata-se de uma óbvia alusão a Alberto Torregiani, que, autor de um livro que o projetou como vítima profissional,  é pertencente a um agrupamento assumidamente neofascista, tem ambições políticas e já admitiu que Battisti não estava entre os assassinos do seu pai Pierluigi Torregiani, conforme declarou em 30/01/2009 à Agência Ansa (vide aqui ):
"Torregiani revelou que Battisti não participou da ação que culminou no assassinato de seu pai porque havia ido à localidade de Mestre, onde teria matado o açougueiro Lino Sabbadin. 'Está tudo nos autos do processo', explicou".
Mas, demagogias, mentiras, ameaças, bravatas e  buffonatas  italianas à parte, permanece o fato de que a dupla reacionária do STF parece querer colocar o Supremo no papel de uma corte internacional  que estivesse julgando uma pendência entre o Brasil e a Itália, e não como um Poder brasileiro obrigado a respeitar as decisões tecnicamente consistentes de outro Poder.

Francamente, acredito que ficará falando sozinha, com os demais ministros não a acompanhando nessa aventura insensata e potencialmente catastrófica para nossa democracia.

Mesmo assim, cabe a todos os cidadãos brasileiros avessos ao totalitarismo, imbuídos de espírito da justiça e ciosos da soberania nacional manterem-se alerta contra o linchamento de Battisti e vigilantes contra essa nova forma de golpismo que habita os sonhos da direita inconformada com a hegemonia petista: a ditadura judicial.

27.12.10

SERÁ MESMO TARDE PARA REVOGARMOS A LEI DE ANISTIA?

No artigo O debate que o Brasil não fez, o veterano analista político Clóvis Rossi apresenta interessantes observações sobre a atitude de argentinos e brasileiros face aos genocídios e atrocidades dos anos de chumbo. 

Vale a pena reproduzirmos o essencial de sua coluna que, no dia de Natal, fugiu à mesmice do tema obrigatório:
"A Lei de Anistia foi emitida para, na essência, proteger um lado, o dos vencedores. Eram, a rigor, os únicos que não haviam sido punidos.

Os derrotados, ou seja, os opositores ao regime militar, tenham ou não adotado a luta armada, sofreram punições de acordo com a legislação convencional (prisão, p. ex.), punições por uma legislação de exceção (o banimento, p. ex.) e até punições à margem de qualquer lei, convencional ou de exceção, como mortes em supostos enfrentamentos, suicídios que foram assassinatos (caso Vladimir Herzog, p. ex.) e torturas.

...A Argentina precisou de 20 anos para retomar a discussão da anistia, mas o fez em todos os âmbitos que a democracia inventou. As leis que concediam a anistia para os militares foram revogadas primeiro pelo Congresso, em 2003, e depois pela Corte Suprema, no ano seguinte.
...E no Brasil? Nada, salvo esparsas iniciativas do atual governo. (...) Convém revogar a Lei de Anistia? Agora é tarde. Tivesse havido o debate nos governos FHC e/ou Lula, seria uma coisa. No governo Dilma Rousseff, vítima de punição extralegal, na forma de tortura, seria considerada revanchismo, o que abriria uma crise que só aproveitaria a pescadores de águas turvas".
Premissas corretas, conclusão errada.

Convém, sim, revogarmos a Lei de Anistia, para legarmos aos pósteros um enfoque civilizado dessas questões:
  • o de que os cidadãos têm o direito de resistir às tiranias, inclusive pegando em armas contra elas;
  • o de que os esbirros dessas tiranias não podem ser igualados aos resistentes por meio de anistias recíprocas que, promulgadas em pleno regime de exceção, equivalem apenas a habeas corpus preventivos para os carrascos, artifício inaceitável por eles adotado para evitarem responder futuramente por seus crimes contra a humanidade.
É crassa tolice e vil propaganda enganosa a alegação das  viúvas da ditadura, de que, revogada a anistia de 1979, os resistentes também teriam de responder por crimes.

Os atos coerentes com o objetivo geral da luta contra a ditadura militar não têm caracterização criminal, como não tiveram nos países europeus que resistiram ao nazifascismo nas décadas de 1930 e 1940, p. ex.

A Resistência Francesa matou muito mais e foi acentuadamente mais violenta do que a brasileira, praticando atos como o de explodir pontes, trens e quartéis, justiçar traidores, etc., nos quais, obviamente, vários civis acabaram pegando as sobras e inocentes foram sacrificados por engano (nem sempre o aparente colaboracionista o é realmente, mas, nas circunstâncias dramáticas de lutas desiguais, cometem-se compreensíveis erros de julgamento).

Enfim, tudo isso é tido ou como necessário, ou como inevitável, numa luta contra a tirania.

É claro que, se um resistente tiver aproveitado a situação para beneficiar-se pessoalmente ou acertar contas com desafetos (apenas como hipótese, não tenho conhecimento de que algo assim haja ocorrido), isto haveria mesmo sido um crime comum.

Mas não as expropriações de agências bancárias para sustentar a resistência, roubos de armas e de dinamite, sequestros de diplomatas para trocá-los por presos políticos, tomada de aviões, ocupação de emissoras para colocar manifestos no ar, atentados contra expoentes do regime ditatorial, e que tais: estas ações, com ou sem a Lei de Anistia, só mereceriam medalhas, jamais processos.

Então, na verdade, a revogação da Lei de Anistia ameaçaria apenas os criminosos envolvidos com o terrorismo de estado, não suas vítimas.

E o fato de Dilma Rousseff ter sido uma dessas vítimas não interfere em nada, absolutamente em nada, com a essência da questão. Como presidente da República, ela deve fazer o que é certo, sem medo de bichos papões.

O problema, a meu ver, é outro: a idade avançada dos possíveis réus e a tradicional lerdeza da Justiça brasileira, não só por ineficiência burocrática como por propiciar recursos protelatórios praticamente infinitos a quem pode bancar os melhores advogados.

Então, o que deve ser ponderado é o seguinte:
  • valeria a pena introduzirmos um rito sumário apenas para tais casos, o que levantaria previsíveis acusações de desigualdade de tratamento?
  • ou se deixaria que as ações seguissem o andamento normal, com 99.9% de chances de os réus morrerem antes de as sentenças serem executadas?
Como alternativa, haveria a possibilidade de, revogada a anistia de 1979, aprovar-se uma nova, estabelecendo a responsabilidade dos usurpadores do poder e dos que administraram/executaram o terrorismo do estado, mas poupando-os de punição concreta por motivo exclusivamente humanitário: o de serem hoje anciães e não haverem sido processados no momento certo em função da imperdoável omissão do Estado.

Esta última solução teria a vantagem de não ensejar a canalhas a chance de posarem como vítimas, angariando simpatias e solidariedade imerecidas.

Evitaria fornecer pretextos golpistas aos  pescadores em águas turvas  a que Clóvis Rossi se referiu.

Deixaria os parâmetros corretos para nortearem enfoques futuros da mesma questão (torcendo para que jamais isto venha a ser necessário...). A partir daí, saberíamos exatamente como agir numa saída de ditadura, então não discutiríamos em 2010 o que deveria ter sido feito em 1985.

E fecharia de forma digna essa página vergonhosa de nossa História, afixando nas testas dos torturadores e seus mandantes a etiqueta de  criminosos que eventualmente escaparam da punição, mas fizeram jus ao opróbrio eterno.

22.12.10

UMA SEMANA AINDA SEPARA BATTISTI DA LIBERDADE

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Dreyfus, Vanzetti e Sacco: vítimas de grotescas armações  politico-jurídicas. Mas, a História não se repetirá...

A boa notícia é que a Advocacia Geral da União finalmente entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o parecer com o embasamento jurídico para a recusa do pedido italiano de extradição do escritor Cesare Battisti.

A má notícia é que o fim da agonia não deverá mais ser nesta 5ª feira (23), mas sim entre o Natal e o Ano Novo.

Evidentemente, para quem sofre com uma prisão arbitrária e amarga uma espera de quase quatro anos, uma semana a mais ou a menos não faz tanta diferença.

Mas, é triste vermos que uma decisão DIGNA, SOBERANA e JUSTÍSSIMA será apresentada aos brasileiros dessa forma evasiva, encabulada.

Que não se confrontam altaneiramente as falsidades e manipulações da imprensa burguesa, mas apenas se tenta esvaziar as reações contrárias.

A recusa do Brasil, de acumpliciar-se com o linchamento de Cesare Battisti, deveria ser anunciada com pompa e circunstância, mostrando ao mundo que aqui casos como os de Dreyfus e de Sacco e Vanzetti têm o desfecho adequado. 

Daríamos uma lição de moral aos reacionários do 1º mundo. Mas...

20.12.10

VANNUCHI É INCISIVO: JOBIM "MACULOU SUA PRÓPRIA BIOGRAFIA"

O Tiririca, pelo menos, não
vestirá sua farda de palhaço
ao atuar como deputado...


Paulo Vannuchi, que não continuará como ministro dos Direitos Humanos no governo de Dilma Rousseff, abriu fogo contra o ministro da Defesa Nelson Jobim em entrevista concedida à Folha de S. Paulo.

Criticou o comportamento desleal de Jobim em relação ao PNDH-3, mas poderia tranquilamente ter estendido sua reprovação a outros episódios; afinal, sempre que se discutiu no Ministério a punição dos torturadores da ditadura de 1964/85 e o resgate da verdade sobre os desaparecidos políticos, Jobim se fez porta-voz da pior e mais obtusa direita militar, ao invés de se posicionar como representante de um governo democrático.

Palavras de Vannuchi:
"Quanto a Jobim, foi indesculpável atacar o Plano de Direitos Humanos e a mim pessoalmente, sabendo dos problemas reais de comunicação entre nós nas vésperas do lançamento do decreto presidencial.

Nos chamar de revanchistas maculou sua própria biografia. Reforçou os piores segmentos militares, extremamente minoritários e quase exclusivamente da reserva, que ainda se orgulham de assassinatos e desaparecimentos".
Com isto, acrescentou Vannuchi, foi mais fácil deixar tudo como estava, sem se apurarem devidamente as atrocidades cometidas a mando ou com a conivência dos usurpadores do poder:
"Muitos militares ainda vivos possuem informações que levariam, com certeza, à localização de pelo menos parte dos restos mortais dos desaparecidos. Esse esforço é a favor das Forças Armadas, para que os brasileiros se orgulhem delas sem isso representar aprovar crimes hediondos como tortura, degola e violação sexual de opositores da ditadura".
E, embora a chamada  linha dura  militar hoje só dê sinais de vida em pronunciamentos de oficiais da reserva e nos sites ultradireitistas, Vannuchi adverte que continua existindo uma "cultura da  Guerra Fria  e de preconceitos da antiga Doutrina de Segurança Nacional, ainda não substituídos pelo ensino de direito constitucional e dos direitos humanos na formação militar".

Face a tudo isso, reforçamos a indagação à presidente Dilma Rousseff, fazendo coro com o companheiro Laerte Braga: por que manter no Ministério um civil tão obcecado por fardas que até as veste a torto e a direito, que se alinhou com as  viúvas da ditadura  e que foi exposto pelo Wikileaks como fofoqueiro e informante do governo estadunidense?

19.12.10

5ª FEIRA DEVERÁ SER O "DIA D" PARA CESARE BATTISTI



A Advocacia Geral da União já concluiu o parecer justificando, nos termos do tratado de extradição vigente entre os dois países, a decisão brasileira de rejeitar o pedido italiano de repatriação do escritor Cesare Battisti, que deverá ter confirmado seu direito de morar e trabalhar em paz no Brasil.

Segundo o noticiário, o mais provável é que o presidente Lula bata o martelo na próxima 5ª feira, 23, em tempo de Battisti comemorar o Natal em liberdade.

Justiça seja feita, quem antecipou tal desfecho foi Eliane Cantenhêde, colunista da Folha de S. Paulo, em 16 de janeiro de 2010 -- há quase um ano, portanto.

Em artigo divulgado no mesmo dia, endossei a conclusão da Cantenhêde, pois já tinha ouvido o mesmo de outras fontes:
"Os perseguidores do escritor já nem se preocupam mais em pressionar o governo brasileiro, pois sabem que será inútil. A decisão soberana que, em seu nome, o ministro da Justiça Tarso Genro tomou há um ano vai ser confirmada.

Agora, os italianos pedem apenas que a derrota não seja apresentada de forma humilhante para eles; e negociam com as nossas autoridades a melhor maneira de se dourar a pílula".
Ultimamente, já se dava como favas contadas que o Brasil adotaria uma posição digna e soberana, tanto que a revista IstoÉ fez até matéria sobre os planos para a liberdade  de Battisti --, pondo fim a um pesadelo que já dura 46 meses, desde sua detenção no Brasil por causa de crimes ocorridos há mais de três décadas na Itália.
Crimes de que não foi acusado no seu primeiro julgamento, em julho de 1979, quando recebeu a exageradíssima sentença de 12 anos de prisão, por mera subversão contra o Estado italiano.

Crimes que lhe foram jogados nas costas quando o processo, já transitado em julgado, foi reaberto em 1987 por conta das delações premiadas de Pietro Mutti, o líder do grupo de ultraesquerda do qual Battisti havia participado.

Acusado por um juiz, noutro processo, de mentir sistematica e descaradamente à Justiça, distribuindo culpas de acordo com suas conveniências, foi também assim que Mutti agiu em relação a Battisti, atribuindo-lhe quatro assassinatos -- e, pateticamente, a acusação teve de ser reescrita pelos promotores quando se constatou que dois desses episódios haviam ocorrido com intervalo de tempo insuficiente para que Cesare pudesse ter se locomovido de uma a outra cidade.

Em vez de jogarem esse amontoado de mentiras no lixo, inventaram que Battisti teria sido o autor intelectual de um desses homicídios. Poderiam também ter-lhe atribuído o dom da ubiquidade, por que não? As fábulas aceitam tudo...

Com o único respaldo de outros interessados em favores da Justiça italiana, cujos depoimentos  magicamente  se casaram com os de Mutti, Battisti foi condenado em 1987 à prisão perpétua.

Depois ficou indiscutivelmente provado que, foragido no México, ele esteve representado nesse julgamento por advogados que não constituíra para tanto, os quais fraudaram procurações para apresentarem-se como seus patronos (embora houvesse conflito de interesses entre Battisti e os co-réus que eles também defendiam).

Nem sequer isto foi levado em conta pela Justiça italiana, que lhe nega o direito líquido e certo a novo julgamento, como qualquer sentenciado à pena máxima cuja condenação tenha se dado à revelia.
O quadro se completa:
  • com as pressões políticas e caríssimas campanhas de mídia que a Itália desenvolveu para convencer a França a renegar o compromissso solene que assumira com os perseguidos políticos italianos, de deixá-los em paz desde que se abstivessem de interferir na política de sua pátria;
  • com as descabidas pressões políticas sobre o governo brasileiro, depois que este, soberanamente, concedeu refúgio a Battisti; e
  • com a interferência exorbitante nos trâmites do caso no STF, servilmente consentidas por Cezar Peluso, que em momento algum mostrou a isenção inerente a um relator, tomando invariavelmente partido pela posição italiana contra Battisti e contra o ministro da Justiça do Brasil (que sempre deu e deveria continuar dando a última palavra nos casos de asilo político e refúgio humanitário).
Nem sequer a GRITANTE prescrição do caso foi levada em conta por Peluso, que recorreu a filigranas jurídicas para confundir o óbvio, com a anuência de outros ministros reacionários do Supremo.

Depois de rasgar a Lei do Refúgio e desconsiderar a jurisprudência consolidada em vários outros casos, o STF não ousou, contudo, consumar o linchamento de Battisti: contra a vontade dos ministros alinhados com a posição italiana, reconheceu que continuava cabendo ao presidente da República dar a última palavra no assunto.

Assim se escoaram quase quatro anos da vida de Cesare Battisti, cidadão que  foi mais do que punido pelo que realmente fez, mas quiseram transformar em bode expiatório do que não fez, como um símbolo do triunfo da pior direita européia sobre os ideais de 1968.

Os brasileiros ciosos da soberania nacional e inspirados pelo espírito de Justiça certamente apoiarão a decisão de Lula, de colocar fim nessa jornada kafkiana, confirmando o direito que nosso Ministério da Justiça já reconheceu, de Battisti residir e escrever seus livros no Brasil, definitivamente a salvo da  vendetta  dos neofascistas italianos.

16.12.10

CONDENAÇÃO DO BRASIL/VEXAME DO STF: PELUSO DESCONVERSA

Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, desconversou que a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos "não revoga, não anula e não cassa" a decisão grotesca e aberrante do STF -- a que outorgou aos carrascos de ditaduras o direito de anistiarem previamente a si próprios.

Ora, aquilo nada mais foi do que um habeas corpus preventivo, uma impunidade programada, agredindo os próprios fundamentos do Direito.

Peluso, claro, está falando sozinho. Até o sujeito na esquina -- personagem tão desprezado pelo seu antecessor e companheiro de ideais Gilmar Mendes -- percebe que a corte internacional, na prática, revogou, anulou e cassou o aborto jurídico produzido pelo STF.

Sob vara, o Estado brasileiro será obrigado a fazer agora o que deveria ter feito desde que o País saiu das trevas, em 1985.

De resto, conforme esclareceu o juiz  ad hoc  da corte, Roberto Caldas, tratou-se de "uma sentença histórica, que estabelece que nenhum crime contra os direitos humanos pode ficar impune com base na Lei da Anistia".

Ou seja, afora os guerrilheiros assassinados do Araguaia, "a decisão se aplica a todos os casos de tortura, desaparecimento forçado e execução sumária ocorridos na ditadura".

Como eu ressalvei no meu artigo inicial, seria ingenuidade acreditarmos que ainda veremos os torturadores dos anos de chumbo cumprindo merecidas penas de prisão, prestando serviços à comunidade (desserviços já prestaram de sobra!) ou ressarcindo os cofres públicos pelas indenizações pagas a suas vítimas.

Os que ainda não foram acertar suas contas com o diabo têm idade avançada e dificilmente atravessarão a próxima década. Ora, a Justiça brasileira é letárgica por natureza, além de propiciar um sem-número de subterfúgios,  jeitinhos  e manobras protelatórias para quem pode bancar os melhores advogados. Estão aí o Paulo Maluf e o Pimenta Neves, que não me deixam mentir...

Nossa grande vitória foi moral: toda a retórica falaciosa das viúvas da ditadura e dos  corvos  por elas criados, novos partidários do arbítrio, foi jogada no lixo. Prevaleceu o entendimento civilizado de que a ditadura era uma aberração e os atos que praticou contra seus opositores foram, pura e simplesmente, crimes.

O estabelecido por esta sentença realmente histórica foi o reconhecimento definitivo de que os cidadãos têm o direito e até o dever de pegar em armas contra tiranias.

Criminosos nunca foram nem jamais serão os que resistem ao despotismo, mas sim aqueles que os reprimem, massacram e exterminam para sustentar regimes totalitários, geralmente resultantes da usurpação do poder, como foi o caso da ditadura brasileira de 1964/85.

15.12.10

AGORA É DEFINITIVO: DITADURAS NÃO PODEM ANISTIAR A SI PRÓPRIAS

Foi exemplar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (vinculada à OEA), que, 15 anos após a apresentação a denúncia por parte de ONG's defensoras dos DH, finalmente condenou o Brasil pelo "desaparecimento forçado" de 62 inimigos da ditadura militar, assassinados durante a repressão à guerrilha do Araguaia, na década de 1970.

Sabe-se que muitos foram aprisionados com vida e covardemente executados tendo as forças repressivas dado sumiço nos seus restos mortais.

Além desses 62 guerrilheiros seguramente mortos, a Corte afirmou existirem pelo menos mais oito desaparecidos no confronto.

De acordo com a sentença:
  • contrariamente à aberrante decisão do Supremo Tribunal Federal, a anistia de 1979 não desobriga o Estado brasileiro da apuração desses casos, pois suas disposições "carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação", "nem para a identificação e punição dos responsáveis" pelas mortes;
  • a Lei de Anistia também não garante a impunidade dos responsáveis por "outros casos de graves violações de direitos humanos" durante a ditadura de 1964/85;
  • o Estado brasileiro é "responsável pelo desaparecimento forçado" dos guerrilheiros mortos;
  • deverá, portanto, promover uma investigação sobre os desaparecimentos, "a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja";
  • também lhe cabe desenvolver "todos os esforços" para encontrar ossadas dos combatentes, realizar um "ato público de reconhecimento de suas responsabilidades" e criar "um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos", dirigido a "todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas".
Finalmente, a sentença estimula a implementação da Comissão Nacional da Verdade, proposta do Programa Nacional dos Direitos Humanos que até agora não saiu do papel.

O Itamaraty confirmou que, pelas regras do direito internacional, o Brasil, na condição de signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, é obrigado a cumprir a decisão.

Já o ministro da Defesa Nelson Jobim, manifestando-se sempre como representante da caserna e não do governo, levantou a possibilidade de o Brasil invocar a Lei de Anistia para continuar acobertando os culpados.

Ou seja, agora está também na contramão do Direito internacional, comprovando que sua manutenção na Pasta foi a pior de todas as escolhas ministeriais de Dilma Rousseff.

Quanto ao STF, ficou com a imagem em cacos, ao receber um puxão de orelhas explícito de uma corte internacional. Suas presidências reacionárias  -- a anterior e a atual -- o desmoralizam e nos desmoralizam aos olhos do mundo.

NA PRÁTICA, A MORTE CHEGA ANTES

Mesmo que, em termos práticos, a decisão tenha chegado tarde demais para que os homicidas e torturadores venham a ser efetivamente punidos -- os remanescentes estão no fim da vida e tendem a beneficiar-se da morosidade e infinitos recursos protelatórios possibilitados pela Justiça brasileira --, pelo menos a página da História será virada como se deve, com os culpados inculpados e as vítimas reconhecidas.

Quem sentir-se futuramente tentado a incorrer nas mesmas práticas hediondas e genocidas, vai estar sabendo que, já existindo um entendimento definitivo e inequívoco da questão, será grande a possibilidade de receber em vida o merecido castigo.

E que teses falaciosas como a da   contrarrevolução preventiva   e a da  anistia recíproca  jamais prevalecerão no longo prazo, acabando por ser varridas juntamente com o restante do entulho autoritário.

12.12.10

OS GOEBBELS IRANIANOS MARTELAM FALÁCIAS PARA FAZÊ-LAS PASSAR POR VERDADE

Se alguém ainda precisava de motivos para deplorar o estado teocrático iraniano como uma excrescência medieval sem lugar no século 21, os aiatolás ensandecidos trataram de os fornecer.

Foram duas demonstrações a mais de despotismo gritante, aberrante e aviltante.

Coagiram Sakineh Mohammadi Ashtiani a participar, na TV, de uma farsa em que ela fingiu aplicar no finado marido uma injeção de sedativo, para que seu amante depois o eletrocutasse.

Sendo, como são, totalmente inconfiáveis os Torquemadas iranianos, useiros e vezeiros em forjarem e propagarem mentiras como justificativas para suas práticas sanguinárias, não dá para acreditarmos sequer que o finado morreu de morte matada...

O certo é que Ashtiane foi condenada à execução por apedrejamento APENAS E TÃO SOMENTE em função de haver cometido adultério.

TODO O MAIS VEIO DEPOIS. Quando o mundo inteiro repudiava, horrorizado, esta sentença bestial, foram acrescentadas (o que tudo leva a crer não passarem de) sórdidas invencionices. 

Tentou-se fazer dela uma assassina, para dourar a pílula. Satanizou-se a vítima para melhorar a imagem dos carrascos. É como sempre agem os linchadores travestidos de otoridades.

Em vão. Para quem não é fanático religioso, misógino exacerbado ou sádico enrustido, nem mesmo esta pretensa cumplicidade em assassinato justificaria a condenação ao apedrejamento.

E, claro, o fedor da farsa era tamanho e tão inconfundível que ninguém dotado de perspicácia e espírito de justiça acreditou, alhures.

Agora, ao torturá-la (ou ameaçá-la com novas torturas, contando com o trauma que lhe causaram as já sofridas) para que produza trunfos propagandísticos contra si própria, participando de uma grotesca encenação, o regime iraniano apenas consegue se tornar mais repulsivo ainda aos olhos do mundo.

Lembra a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, o Chile de Pinochet ou o Camboja de Pol-Pot. Merece o que está tendo: o mais veemente repúdio do mundo civilizado.

De quebra, a  Santa Inquisição Iraniana  acaba de condenar o presidente da Associação de Jornalistas do Irã, Mashallah Shamsolvaezin, a 16 meses de prisão por ter cumprindo seu dever como profissional de imprensa e como representante da categoria. Eis o seu próprio relato:
"Fui condenado a um ano de prisão sob a acusação de ter minado o regime, dando entrevistas para televisões e agências de notícias estrangeiras. Também fui condenado a quatro meses de prisão por me referir a Ahmadinejad como 'megalomaníaco' numa entrevista em árabe à [rede] Al Arabiya".
Como revolucionário formado na tradição marxista (e, portanto, visceralmente avesso a medievalismos), como defensor dos direitos humanos em quaisquer circunstâncias, como homem civilizado e como jornalista,  manifesto meu veemente repúdio a mais esta condenação iníqua.

De resto, cabe lembrar uma argumentação correta que os companheiros estão utilizando no caso de Julian Assange: é inaceitável a intimidação de quem apenas divulgou aquilo que os governos foram incompetentes em proteger.

Da mesma forma, não somos nós que temos de zelar pela imagem do Irã, ameaçado de intervenção externa contra seu programa nuclear. São os próprios dirigentes iranianos.

Se eles insistem em fornecer, de mão beijada, tudo de que os propagandistas ocidentais necessitam para criar um ânimo belicoso em relação ao Irã, não faria sentido traírmos nossos princípios e negarmos o óbvio ululante a pretexto de dificultar os planos dos EUA e Israel.

Comportarmo-nos como cegos ou como avestruzes nos tiraria toda credibilidade, jogando-nos na mesma vala comum em que está o truculento Irã.

É certo que, por pior que seja tal regime, ainda assim a tarefa de regenerá-lo cabe ao próprio povo iraniano, devendo ser firmemente repudiada qualquer intervenção militar estrangeira, sob qualquer pretexto.

Mas, daí a compactuarmos com o extermínio legalizado  de oposicionistas, torturas, estupros, apedrejamentos e todo tipo de violação dos direitos humanos e direitos civis, vai uma grande distância.

A pressão moral temos, sim, o direito e a obrigação de exercer. A mais incisiva possível.

10.12.10

"FOLHA" É CONTRA O CERCEAMENTO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO... PELOS OUTROS!

Diz o editorial da Folha de S. Paulo desta 6ª feira, 10:
"Está em curso uma cruzada de governos e empresas internacionais contra o WikiLeaks...

A perseguição parece relacionada ao intuito de silenciar um novo meio de divulgar informações que ganhou uma inesperada projeção internacional e tornou-se um incômodo para governos de diversos países...

O caráter ambíguo do WikiLeaks, aliado à sua inexistente tradição - não há histórico consolidado de seus valores e comportamentos -, gera desconfiança sobre a possibilidade de o site vir a colocar em risco a segurança internacional e a vida de pessoas.

Essas incertezas possivelmente contribuem para as hesitações que se observam em setores que deveriam defender com vigor a liberdade de expressão e o direito da mídia, tradicional ou não, de divulgar informações reservadas...

Num mundo em que governos democráticos inventam mentiras para invadir países, vazamentos como os do WikiLeaks prestam um serviço ao esclarecimento e à verdade. Se a diplomacia exige sigilo, que seus responsáveis o mantenham com eficiência".
Diz o editorial do CMI Brasil que está no ar desde 4ª feira, 8:
"...surgiu em setembro um blog chamado Falha de S. Paulo, uma paródia ao maior jornal brasileiro, a Folha de S. Paulo. (...) Era um blog recheado de fotomontagens, brincadeiras e críticas ácidas ao noticiário da Folha. Eram críticas sempre bem-humoradas, porém duras.

Para se ter uma ideia, uma das montagens de maior sucesso (e mais irônica) punha o rosto do dono do jornal, Otavio Frias Filho, no corpo de Darth Vader. Pois bem: após um mês no ar o jornal entrou na Justiça para censurar o blog. Pior: conseguiu. Ainda pior: além de conseguir cassar o endereço, a Folha abriu um processo de 88 páginas contra os criadores do site, pedindo indenização em dinheiro por danos morais.

O jornal alega 'uso indevido de marca', por causa da semelhança entre os nomes Folha e Falha e porque o logotipo do site era inspirado no do jornal. A paródia foi criada por dois irmãos (Lino e Mário Ito Bocchini) que não têm ligação com nenhum partido político ou qualquer outra entidade. São duas pessoas 'avulsas', o primeiro jornalista e o segundo, designer.

E agora os irmãos estão tendo uma dificuldade brutal (e gastando bastante dinheiro) para se defender na Justiça de uma ação volumosa do maior jornal do país. E a previsão dos advogados e professores de direito ouvidos pela dupla é a de que a Folha deve ganhar a ação, mais por ser uma companhia grande e poderosa e menos pelo mérito da questão em si.

Aqui entra o motivo pelo qual os irmãos Bocchini resolveram levar a questão para além das fronteiras do país: no Brasil, menos de 10 famílias dominam os grandes meios de comunicação. E uma dessas famílias é justamente a Frias, que ficou incomodada com a Falha de S.Paulo e suas brincadeiras como a do Darth Vader.

Por corporativismo, nunca um órgão de uma família noticia algo relacionado à outra. É uma espécie de tradição brasileira. A censura de um blog, ainda mais seguida de um pedido de indenização, é uma ação judicial inédita no Brasil.

Por conta disso, os irmãos Bocchini estão sendo chamados a diversos eventos de comunicação, convidados a dar palestras etc. Estão recebendo muita solidariedade de blogueiros e ativistas por liberdade de expressão de todo país, e figuras públicas como o ex-ministro Gilberto Gil gravaram depoimentos condenando a censura e o processo da Folha. Mesmo assim jornais rádios, TVs e revistas seguem ignorando completamente o assunto.

A preocupação geral é que, se o jornal ganhar essa ação inédita (como tudo indica que vá acontecer), um recado claro estará dado às demais grandes corporações brasileiras, sejam de comunicação ou não: se alguém incomodar você na Internet, invente uma desculpa como essa do 'uso indevido de marca'. A Justiça irá tirar o site do ar e ainda lhe conseguir uma indenização em dinheiro.

Ou seja, está nascendo um novo tipo de censura em nosso país, justamente pelas mãos de quem vive da liberdade de expressão. E não estamos conseguindo furar o bloqueio da mídia convencional, dominada pelas tais poucas famílias que já dissemos. Por isso só nos resta agora apelar para o exterior".
Só me resta manifestar total solidariedade aos irmãos Bocchini, colocando-me ao seu dispor para ajudá-los nessa luta pela liberdade de expressão que nada fica a dever à travada por Julian Assange.

E lembrar que a ação contra mim movida pelo Boris Casoy é mais um marco dessa escalada de intimidações.

7.12.10

JUS SPERNIANDI DOS LINCHADORES DE BATTISTI: PRÉVIO E GROTESCO

Os reacionários estão furibundos com o iminente anúncio da decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que porá um fim à kafkiana perseguição movida pelo Governo Berlusconi e seus cúmplices de dois continentes contra o escritor Cesare Battisti.

Espera-se que, ainda nesta semana, Lula bata o martelo, confirmando o entendimento do seu ex-ministro da Justiça Tarso Genro, que no início de 2009 já concedeu refúgio a Battisti no Brasil -- absurdamente revisto pelo Supremo Tribunal Federal, que extrapolou sua autoridade ao jogar no lixo a Lei do Refúgio e a jurisprudência consolidada nesses casos, usurpando uma prerrogativa que sempre foi do Executivo.

Mesmo assim, a decisão final voltou a quem de direito: o presidente da República. E ele já sinalizou que, cioso da soberania nacional, não se vergará a descabidas e ultrajantes pressões estrangeiras.

Vai daí que o ministro mais questionado e o pior presidente do STF em todos os tempos, Gilmar Mendes, volta a fazer lobby contra Battisti, deitando falação  que nada mais é do que uma dica ao governo italiano, no sentido de que bata de novo à porta do Supremo, sob a estapafúrdia alegação de que a decisão anterior foi "confusa".

Sim, foi mesmo confusa:
  • ao anular, na prática, a Lei do Refúgio, o que não é papel do Judiciário;
  • ao desconsiderar todas as decisões anteriores do próprio STF, que sempre arquivou os processos de extradição quando o Ministério da Justiça concedeu refúgio;
  • ao desconsiderar a prescrição do caso segundo as leis brasileiras, que são as que devem prevalecer nos julgamentos realizados em nosso território;
  • ao desconsiderar a intenção italiana, admitida até por um ministro (segundo noticiou o respeitadíssimo Corrieri de la Sera), de enganar o Brasil, prometendo adequar a sentença de lá ao máximo que nosso país admite para fins de extradição, embora não haja sequer instrumentos legais que possibilitem tal arranjo, conforme alertou, entre outros, Dalmo de Abreu Dallari;
  • ao desconsiderar que Battisti foi julgado à revelia na Itália, conforme documentação incontestável que foi entregue ao relator Cezar Peluso e por este negligenciada; etc.
Mas, a confusão de que se queixa Mendes é outra: a de o Supremo não ter levado até o fim o linchamento de Battisti, resolvendo, na enésima hora, não cometer outra usurpação, a do papel do presidente da República, a quem sempre coube dar a palavra final.

Vai daí que Gilmar Mendes não só chia, como sugere à Itália que questione a decisão de Lula -- num ostensivo desrespeito à Nação brasileira e até a seus cinco colegas do Supremo que confirmaram ser a Presidência da República a instância definitiva.

Porque perdeu uma votação importante, agora move céus e terras para criar um confronto de Poderes, na esperança de ainda fazer com que a posição italiana prevaleça sobre a do seu país. Como se deve qualificar uma postura dessas?

Outra figurinha carimbada se manifestou: a ex-revista Veja, com a tendenciosíssima matéria Terrorismo - Lula quer manter Battisti no Brasil.

Para não desperdiçar meu tempo com o que hoje não passa de um sofrível  house organ  da extrema-direita, cuja credibilidade está em frangalhos, apenas reproduzirei os sete pontos da nota com que o advogado de Battisti, Luiz Roberto Barroso, restabeleceu a verdade dos fatos:
  1. Cesare Battisti jamais foi acusado ou condenado por terrorismo. O uso desse termo faz parte da campanha depreciativa que lhe move a Itália, como estratégia para obter a extradição.
  2. Cesare Battisti foi levado a um primeiro julgamento, juntamente com outros membros do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), e não foi sequer acusado por qualquer dos homicídios imputados ao grupo. Outras pessoas foram condenadas por eles. Após o seu refúgio na França, militantes acusados pelos homicídios, alguns já condenados, tornaram-se ''arrependidos'' e transferiram para ele a responsabilidade pelas quatro mortes.
  3. Cesare Battisti foi levado a um segundo julgamento, tendo como únicas provas os depoimentos dos delatores premiados. Foi julgado à revelia, defendido por advogados que não constituiu, ligados aos membros do PAC e que tinham evidente conflito de interesses. As procurações que receberam foram periciadas e comprovadas como falsas. Os advogados declararam expressamente que jamais estiveram com Cesare Battisti e que não tiveram condições de defendê-lo, por não estarem informados dos fatos.
  4. Dos nove Ministros do STF que apreciaram a questão, quatro entenderam não ser possível a extradição na hipótese. Cinco Ministros entenderam ser possível, mas que cabe ao Presidente da República a decisão sobre o assunto. O Procurador-Geral da República também se manifestou contrariamente à extradição.
  5. Os fatos imputados a Cesare Battisti, em relação aos quais ele sempre afirmou inocência, ocorreram há mais de trinta anos. O maior prazo de prescrição da legislação brasileira é de vinte anos.
  6. Há no mínimo uma contradição lógica em se defender a anistia recíproca no Brasil, para agentes do Estado e para militantes políticos, e pretender a punição de Cesare Battisti mais de três décadas depois.
  7. Cesare Battisti é um escritor pacato e pai de duas filhas, que jamais se envolveu em qualquer ação política desde os anos de chumbo italianos. Vivia em paz na França até que o governo de Sylvio Berlusconi o escolheu como troféu político e passou a persegui-lo. Não há razão para o Brasil, contrariando uma tradição humanista que vem de longe, entregá-lo à Itália para passar o resto da vida na prisão.

3.12.10

BATTISTI ESTÁ PRESTES A SER LIBERTADO

Entrevistado nesta 6ª feira (03/12) por correspondentes internacionais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou já ter chegado a uma conclusão sobre o pedido italiano de extradição do escritor e perseguido político Cesare Battisti, devendo anunciá-la ainda neste mês de dezembro:
"Eu espero que o meu advogado-geral possa me apresentar a proposta da decisão antes de terminar o meu mandato. Não gostaria de deixar esse assunto para a companheira Dilma tomar a decisão em janeiro ou fevereiro. Preferia tomar eu mesmo a decisão. Aliás, eu já tenho a decisão na minha cabeça, só não posso antecipar".
A expectativa da imprensa e dos círculos políticos é de que Lula rechace o pedido do Governo Berlusconi -- a revista IstoÉ já fez até matéria sobre os planos para a liberdade  de Battisti --, pondo fim a um pesadelo que já dura quase 46 meses, desde sua detenção no Brasil por causa de crimes ocorridos há mais de três décadas na Itália.

Crimes de que não foi acusado no seu primeiro julgamento, em julho de 1979, quando recebeu a exageradíssima sentença de 12 anos de prisão, por mera subversão contra o Estado italiano.

Crimes que lhe foram jogados nas costas quando o processo, já transitado em julgado, foi reaberto em 1987 por conta das delações premiadas de Pietro Mutti, o líder do grupo de ultraesquerda do qual Battisti havia participado.

Acusado por um juiz, noutro processo, de mentir sistematica e descaradamente à Justiça, distribuindo culpas de acordo com suas conveniências, Mutti inculpou Battisti por quatro assassinatos -- e, pateticamente, a acusação teve de ser reescrita pelos promotores quando se constatou que dois desses episódios haviam ocorrido com intervalo de tempo insuficiente para que Cesare pudesse ter se locomovido de uma a outra cidade.

Em vez de jogarem esse amontoado de mentiras no lixo, inventaram que Battisti teria sido o autor intelectual de um desses homicídios. Poderiam também ter-lhe atribuído o dom da ubiquidade, por que não? As fábulas aceitam tudo...

Com o único respaldo de outros interessados em favores da Justiça italiana, cujos depoimentos  magicamente  se casaram com os de Mutti, Battisti foi condenado em 1987 à prisão perpétua.

Depois ficou indiscutivelmente provado que, foragido no México, ele esteve representado nesse julgamento por advogados que não constituíra para tanto, os quais fraudaram procurações para apresentarem-se como seus patronos (embora houvesse conflito de interesses entre Battisti e os co-réus que eles também defendiam).

Nem sequer isto foi levado em conta pela Justiça italiana, que lhe nega o direito líquido e certo a novo julgamento, como qualquer sentenciado à pena máxima cuja condenação tenha se dado à revelia.

O quadro se completa:
  • com as pressões políticas e caríssimas campanhas de mídia que a Itália desenvolveu para convencer a França a renegar o compromissso solene que assumira com os perseguidos políticos italianos, de deixá-los em paz desde que se abstivessem de interferir na política de sua pátria;
  • com as descabidas pressões políticas sobre o governo brasileiro, depois que este, soberanamente, concedeu refúgio a Battisti; e
  • com a interferência exorbitante nos trâmites do caso no STF, servilmente consentidas por Cezar Peluso, que em momento algum mostrou a isenção inerente a um relator, tomando invariavelmente partido pela posição italiana contra Battisti e contra o ministro da Justiça do Brasil (que sempre deu e deveria continuar dando a última palavra nos casos de asilo político e refúgio humanitário).
Nem sequer a GRITANTE prescrição do caso foi levada em conta por Peluso, que recorreu a filigranas jurídicas para confundir o óbvio, com a anuência de outros ministros reacionários do Supremo.

Depois de rasgar a Lei do Refúgio e desconsiderar a jurisprudência consolidada em vários outros casos, o STF não ousou, contudo, consumar o linchamento de Battisti: contra a vontade dos ministros alinhados com a posição italiana, reconheceu que continuava cabendo ao presidente da República dar a última palavra no assunto.

Já se roubaram quase quatro anos da vida de Cesare Battisti, cidadão que  foi mais do que punido pelo que realmente fez, mas quiseram transformar em bode expiatório do que não fez, como um símbolo do triunfo da pior direita européia sobre os ideais de 1968.

Os brasileiros ciosos da soberania nacional e inspirados pelo espírito de Justiça estão certos de que o presidente Lula dará um fim a essa jornada kafkiana, confirmando o direito que nosso Ministério da Justiça já reconheceu, de Battisti morar e trabalhar no Brasil, definitivamente a salvo da  vendetta  dos neofascistas italianos.

2.12.10

NÃO À PERMANÊNCIA INDEFINIDA DOS MILITARES NOS MORROS!!!

Junho/2008, episódio do Morro da Providência: enterro dos quatro jovens 
favelados direta ou indiretamente assassinados por  militares
apenas por terem desacatado sua  otoridade. 

É grande a possibilidade de os militares, exercendo funções policiais, serem contaminados pela criminalidade, tanto que se trata de "uma preocupação constante do próprio Exército, seja por exemplos internacionais, como o do México, seja pela experiência de roubos de armas, com cumplicidade de gente da instituição, seja também pela promiscuidade, sabendo-se que alguns saíram do Exército e foram recrutados pelo tráfico".

A advertência é do antrópologo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do RJ e um dos autores (na verdade, consultor) dos livros Elite da Tropa 1 e 2.

No mesmo sentido, aliás, a colunista Eliana Cantanhêde alertou que, se "as tropas se instalarem e nunca mais saírem, ou ele deixa de ser Exército, ou o Brasil vira uma Colômbia".

Soares continua sendo o principal porta-voz da minoria civilizada que não se deixa mesmerizar pelo enfoque triunfalista e fascistizante com que a grande imprensa está cobrindo os acontecimentos do Rio de Janeiro.

Sua entrevista de hoje (02/12) à Folha de S. Paulo serve como antídoto ao maniqueísmo primário que se tenta impingir à população -- infelizmente, com considerável êxito.

Sabemos como isso acaba: no cerceamento de direitos democráticos, a pretexto de se combater o  satânico dr. No que os cidadãos são induzidos a odiar em cada momento.

Terroristatraficante, ditador, há sempre um grande vilão qualquer para servir de espantalho, de forma que o homem comum jamais reflita sobre o porquê de sua vida ser tão insatisfatória quando há plenas condições materiais para se assegurar uma existência digna a todos os habitantes do planeta, trabalhando muito menos e se realizando muito mais.

Eis, sintetizadas, outras declarações marcantes de Soares:
"O negócio de drogas vai muito bem, obrigado, mas não o tráfico na sua forma que envolve, no Rio, controle territorial, organização de grupos armados, pagamento a policiais, conflito com facções, num contexto político crescentemente antagônico e com pressões sobre os governos, pois a consciência pública vai amadurecendo e se tornando mais refratária a conviver com o ilegal nessa magnitude.

É um sistema muito pesado, caro, arriscado.

O fato de estar em declínio não significa que esteja suspensa a sua capacidade de produzir danos à sociedade, como mortes e todo tipo de violência.

A primeira medida fundamental é fazer com que a polícia pare de participar do tráfico. A parceria entre o tráfico e segmentos policiais corruptos, que vendem armas, alugam Caveirão, ganham percentuais da venda da droga, tem que ser objeto da preocupação prioritária.

Esses traficantes [tradicionais] o são com apoio dos que deveriam cumprir a lei. Então, o mal atravessa os dois lados, não existe essa polaridade [entre bem e mal], e esse é o problema. Quando a autoridade dá ao policial na ponta liberdade para matar, dá-lhe também, indiretamente, a liberdade de não fazê-lo.

Isso começou a gerar negociações varejistas, em momentos de confronto. Mais adiante, transformou-se numa modalidade mais organizada da economia do crime. Até que se chegou, no final dos anos 80 e início dos 90, a um terceiro estágio da economia da corrupção: o acordo, o contrato, o arreglo. Isso faz com que a polícia se torne parceira fixa.

O conflito em São Conrado [há cinco meses] foi fruto de uma redefinição do contrato [entre traficantes e policiais]: inflação, mudança de preço, cobrança de sobrepreço. Os sócios se desentenderam. Em geral, os conflitos são desse tipo.

O tráfico está em declínio, os ganhos estão se reduzindo, então precisa negociar uma redução do que se paga à polícia. E a polícia não aceita e às vezes exige aumento.

O quarto estágio da economia da corrupção: é a milícia. É quando já há uma organização superior: 'Nós não precisamos ser apenas sócios, podemos ser os protagonistas. Vamos buscar lucros participando de forma criminosa de tudo o que puder oferecer algum potencial econômico na vida da comunidade que estará sob nosso domínio, sob nosso terror'.

Mas os milicianos são policiais. Não têm os custos da organização, do acesso às armas. Já estão cobertos. Nós pagamos a maior parte das ações, porque usam a polícia nas invasões.  São muito mais fortes, numerosos, têm mais capacidade de organização, o rendimento é superior, têm visão política.

Outro ponto é a segurança privada. É uma das origens das milícias. Os salários dos policiais são insuficientes. O sujeito tem que complementar a renda. Vai buscar, como nós fazemos, na área de sua especialidade, no caso, a segurança.

Isso é ilegal, as autoridades sabem disso, mas fingem que não veem. As autoridades toleram essa complementação. Veja que situação absurda: o Estado tem um pé na legalidade e um pé na ilegalidade.

É assustador que pessoas tão inteligentes e bem intencionadas se iludam com a fábula de que o bem venceu o mal. Esse mal só existiu até esse momento porque foi alimentado por isso que chamamos de bem.
E, se agora esse mal é afastado, esse bem que é parte do mal parece triunfante. Vamos nos surpreender sendo apunhalados pelas costas, porque parte dos heróis são os que estão nos condenando à insegurança, levando armas e drogas para as favelas".

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26.11.10

O DRAMA DO RJ NUMA VISÃO MARXISTA

Canso de repetir: a criminalidade é intrínseca ao capitalismo.

Porque as molas mestras do capitalismo são a ganância, a busca do privilégio e da diferenciação, e o consumismo.

Ter cada vez mais posses e recursos materiais.

Competir zoologicamente com os semelhantes, no afã de se colocar em situação superior à deles.

Mitigar todas as suas insatisfações adquirindo e desfrutando coisas.

E se relacionando com os outros seres humanos como se eles fossem também coisas a serem desfrutadas; coisificando-os, enfim.

Com isto, nunca é preenchido por completo o vazio da irrealização, sempre falta algo e sempre o que falta é mais importante do que o já conquistado. O homem moderno é um Cidadão Kane que nunca encontra o  rosebud.

Pois os seres humanos só se realizam plenamente na coexistência cooperativa, solidária, harmoniosa e amorosa com outros seres humanos.

O capitalismo é um sistema perverso, que se alimenta do desequilíbrio e da desarmonia.

Que não garante a todos o necessário para todos, embora meios haja para tanto.

Que gera sempre, como uma secreção, seu exército industrial de reserva, seus excluídos, seus miseráveis.

Eles são o resultado da mais-valia, que continua firme, forte e toda poderosa.

Apenas sofisticou-se, ocultando-se atrás dos hologramas projetados pela indústria cultural; o grande truque do diabo é fingir que não existe.

A mais valia continua dividindo a humanidade em exploradores e explorados.

Continua estabelecendo graduações entre os explorados, de forma que eles mirem apenas o degrau superior e não a sociedade sem graduações nem classes; que nunca vejam a floresta por trás das primeiras árvores.

O dado novo é que alguns dos que estavam bem embaixo perceberam a inutilidade de tentarem realizar seus sonhos consumistas subindo a escada, degrau por degrau.

Descobriram atalhos para passar ao lado dos degraus e chegar logo ao topo.

Ironia da História: o capitalismo passou à fase das corporações, da liderança compartilhada, tornando quase impossível que grandes empreendedores ergam impérios do nada (Bill Gates é uma exceção que confirma a regra), mas a criminalidade forneceu uma válvula de escape para tais indivíduos.

Pablo Escobar foi o Henry Ford dos novos tempos. E outros não conhecemos porque os néo-Escobares perceberam que não lhes convinha alardear seu poderio.

Mas, a brecha que existiu era provisória e começa a ser fechada: também nesta modalidade de negócios o capitalismo selvagem está sendo substituído por práticas criminosas mais eficientes, com melhor relação custo-benefício.

Vale reproduzir a ótima avaliação de Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2003) e ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do RJ (1999/2000), no seu artigo A crise no Rio e o pastiche midiático:
"O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção.

"Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios – as bandas podres das polícias - prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.

"Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção?
"O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias [a civil e a PM] impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável".
No fundo, os traficantes dos morros sempre foram complementares ao capitalismo e dele indissociáveis, fornecendo aquilo de que muitos explorados necessitam para continuar suportando sua existência insatisfatória.

Mas, o seu  modelo de gestão  caducou e outros  empreendedores, que já eram seus sócios, estão prontos a substitui-los com mais discrição e eficiência empresarial: os policiais-bandidos.

Desesperados por perceberem que perdiam terreno dia a dia, partiram para um desafio insensato, atingindo um dos valores mais sagrados da classe média: o automóvel.

Foi o suficiente para desencadear uma bestial demonstração de força do Estado, com seu poder de fogo infinitamente superior.

Morreram muitos inocentes no fogo cruzado, o cidadão comum sofreu prejuízos e enfrentou transtornos, a indústria cultural faturou em cima das manchetes empolgantes, traficantes foram presos ou mortos -- e a única certeza é de que empresários mais aptos herdarão os negócios dos que estão sendo excluídos do mercado.

De quebra, a mentalidade policialesca ganha reforço e penetra mais fundo na cabeça dos videotas: a repressão é o que nos salva de termos nossos carros queimados!

E dá-lhe mais repressão, mais tropas de elite! A fascistização da sociedade vai avançando imperceptivelmente, naturalmente.

Antes, gatos escaldados por 1964, os mais sensatos queriam as Forças Armadas longe das questões sociais, defendendo apenas o Brasil dos seus inimigos externos.

Agora, já se aplaudem os blindados da Marinha subindo o morro.

Como tantos aplaudiram a defesa da tortura e das truculências policiais num filmeco repulsivo.

De toda essa tempestade de som e fúria, o que restará?

O Estado venceu, como era de se prever, a  Batalha do Rio de Janeiro.

Que só não foi de Itararé porque houve mortos e feridos. Mas, não decidiu guerra nenhuma.

Decidiria se os traficantes vencessem. Mas, eles nunca venceriam. Nem aqui, nem na Colômbia que os pariu. Pelo contrário, para eles significou o canto do cisne.

O Estado não quer, verdadeiramente, acabar com o tráfico. Consentirá que, aos poucos, reassuma a antiga magnitude, sob nova direção e com outra metodologia operacional.

Só teremos solução real quando: 
  • identificarmos o capitalismo como o verdadeiro inimigo, oculto por trás dos espantalhos que ele, em cada instante, tenta fazer crer que sejam responsáveis por todos os males. Escobar, Castro, Bin-Laden, Saddam, Chávez, Ahmadenijad, há sempre um na berlinda, sem que nada melhore quando sai de cena, pois a indústria cultural imediatamente o substitui por outro, para que as ilusões e a alienação sejam mantidas;
  • e, consequentemente, quando nos mobilizarmos para dar um fim ao capitalismo, antes que -- condenado pela História e cada vez mais devastador em sua agonia -- seja ele a nos levar juntos para a destruição, ao aniquilar as bases naturais que sustentam a vida humana no planeta.

20.11.10

"FOLHA" FORÇA A BARRA PARA ENVOLVER DILMA COM AÇÕES ARMADAS

Bem que, há quatro dias, eu antecipei: depois de tanto haver lutado para obter o processo a que Dilma Rousseff respondeu durante o regime militar em tempo de produzir algum factóide capaz de influir na eleição presidencial, a Folha de S. Paulo seria agora "obrigada a soltar alguma reportagem" baseada no entulho ditatorial que tardiamente desencavou.

A matéria Dilma tinha código de acesso a arsenal usado por guerrilha, da edição deste sábado (20), confirma tal previsão e também a que fiz em seguida:
"Pela qualidade atual do jornalismo da Folha, canto a bola desde já: vai ser imensamente inferior à da Época".
Ou seja, a revista Época publicou em agosto uma matéria de capa sobre Dilma que, se não foi perfeita, pelo menos tentou manter tanto equilíbrio e isenção quanto são possíveis em nossa grande imprensa.

Os questionamentos dos partidários de Dilma foram muito mais quanto ao momento escolhido para se dar tamanho destaque a seu passado de resistente e presa política, do que à forma como ele foi abordado.

Bem diferente da Folha, que produziu texto tão malicioso quanto aquele com o qual tentou vincular Dilma a um mirabolante plano de sequestro, nem sequer tentado; ou quanto o ridículo e rapidamente desmoralizado artigo de um seu colunista, tomando ao pé da letra uma piada de mau gosto do Lula sobre estupro.

Desta vez, o jornal intriguento força a barra para dar a impressão de que Dilma estava envolvida com as ações armadas da VAR-Palmares, embora as informações que encontrou no inquérito sem a mais remota credibilidade dos órgãos repressivos da ditadura só permitam depreender que ela era a militante a quem caberia cuidar da transferência do arsenal da Organização para outro local caso fossem presos os companheiros incumbidos das operações militares.

Enfim, o que o jornal quis foi martelar na cabeça dos leitores uma mensagem subliminar: a de que Dilma pertencia a uma organização  da pesada, que enfrentava policiais com metralhadoras e bombas caseiras.

Para despistar, faz alusões às torturas contra resistentes, mas elas não chocam tanto, já até hoje continuam sendo largamente utilizadas contra suspeitos de ocorrências policiais.

Ficou faltando, claro, a caracterização do inimigo combatido pela VAR-Palmares como a mais bestial ditadura que o Brasil já conheceu, responsável não só por sevícias as mais violentas e degradantes, como também por centenas de assassinatos (incluindo a execução a sangue frio de prisioneiros que deveriam estar sob a proteção do Estado), estupros, ocultação de cadáveres e outras abominações.

Sem tal contextualização, o que prevalece e transparece é a visão dos esbirros da ditadura sobre aqueles que os combatiam, pois a isto se resumiam os Inquéritos Policiais Militares do regime de exceção: peças de propaganda enganosa concebidas para causar impacto na opinião pública, seguindo a orientação dos serviços de guerra psicológica das Forças Armadas.

Que podemos dizer, p. ex., de quem, quando eu tinha 18 anos, espalhou cartazes no Brasil inteiro, com meu nome e minha foto, acusando-me falsamente de haver assaltado e matado pais de família?!

Rodoviárias, estações ferroviárias, aeroportos, correios e outras repartições, e até restaurantes exibiam tal acusação, cujos autores sabiam muito bem ser falaciosa: minhas funções eram organizativas e, quando enfim me processaram e condenaram, não me imputaram nada desse gênero.

A verdade e a verossimilhança eram o que menos importava nesses papeluchos ensanguentados -- síntese deturpada e tendenciosa do que os prisioneiros confessavam ou inventavam sob brutais torturas.

Tratando-se do jornal da  ditabranda  - que, nos anos de chumbo, cedia suas viaturas para a captura de resistentes e outros serviços sujos da repressão política -- faz todo sentido que  a Folha esteja até hoje trombeteando a versão dos déspotas.

É apenas uma nova forma de tentar justificar seu passado vergonhoso: ora afirma que a ditadura era amena, ora carrega nas tintas para que os resistentes fiquemos parecendo muito mais violentos do que éramos.

E, aliás, tínhamos todo direito de ser, já que enfrentávamos uma tirania -- a de usurpadores do poder que recorriam ilimitadamente ao terrorismo de estado para manter subjugado o povo brasileiro.

17.11.10

"FOLHA" TROMBETEIA FIASCO COMO SE FOSSE PROEZA

Em 2009 a "Folha" tentou envolver Dilma num sequestro que não houve, além de usar como ilustração uma ficha falsa que encontrou na web.

Simancol é o que mais falta para o jornal da  ditabranda: mancheteia triunfalmente a obtenção do que queria usar durante a campanha eleitoral e agora não lhe servirá de quase nada.

Foi garimpar, só encontrou ouro de tolo e ainda tenta apresentá-lo como uma "vitória da sociedade". Me engana que eu gosto.

Finda a eleição presidencial, o Superior Tribunal Militar, como Deus e o mundo sabiam que faria, liberou para a Folha de S. Paulo o processo a que Dilma Rousseff respondeu durante a última ditadura, quando foi presa como dirigente da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares e barbaramente torturada.

A decisão foi tomada nesta 3ª feira (16/11), por 10 votos a 1.

Ou seja, nada mais houve do que o cumprimento integral da determinação do presidente do STM, Carlos Alberto Soares: evitar que desse processo falacioso e arbitrário, sem valor jurídico nenhum, fosse extraída munição propagandística contra a candidata em campanha.

Pois só os bem informados sabem serem totalmente inconfiáveis as conclusões dos Inquéritos Policiais Militares da ditadura, contaminados pela prática generalizada da tortura, bem como as sentenças dos julgamentos de cartas marcadas que eram encenados em auditorias militares, com gritante cerceamento do direito de defesa.

Para a maioria da população, poderia passar por verdade o que nada mais era do que a versão forjada pelos déspotas a respeito dos resistentes que, heroicamente, os combatiam. Daí a inconveniência de tal assunto ser escarafunchado em meio ao tiroteio eleitoral.

Após o pleito, com ou sem a ação da Folha, os documentos seriam mesmo liberados.

Não adiantou o jornal espernear no STM e até no STF: não conseguiu acesso em tempo hábil e ficou impossibilitado de produzir algum factóide eleitoeiro.

Da próxima vez, que vá atrás das informações no momento certo e seguindo suas próprias pistas, ao invés de correr atrás das revelações alheias -- no caso, a matéria de capa da revista Época sobre Dilma, que foi de onde a Folha tirou a informação de que o processo da VAR-Palmares estava temporariamente indisponível.

Agora, para justificar a  batalha de Itararé  que fingiu estar travando, será obrigada a soltar alguma reportagem baseada no processo de Dilma.

Pela qualidade atual do jornalismo da Folha, canto a bola desde já: vai ser imensamente inferior à da Época.

Mas ninguém se surpreenderá, pois vexame é prato de todo dia na espelunca da alameda Barão de Limeira...

Para quem quiser conhecer os detalhes desta comédia de erros (mais uma!), eis o passo a passo:
E vale a pena ler de novo outro tiro pela culatra da Folha contra Dilma, em abril/2009, quando o jornal saiu com a credibilidade em frangalhos:
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