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19.5.10

O ATO E OS FATOS (SOBRE A ANISTIA DOS TORTURADORES)

"EREMIAS
Era mau aluno,
treinava judô.
Sorriso maroto,
morreu em pedaços,
35 balaços"
("Formatura", CL)

Participei nesta 3ª feira (18) do ato público convocado pelo Tortura Nunca Mais e outras entidades, contra a decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar os torturadores da ditadura militar abrangidos pela anistia de 1979.

Alguns companheiros manifestaram esperança de que uma decisão da Organização dos Estados Americanos force o Estado brasileiro a modificar seu entendimento. Tudo é possível.

Mas, o veredicto acerca da queixa formulada há 15 anos, relativa ao massacre de 70 combatentes do Araguaia e à ocultação dos restos mortais da maioria, só sairá em janeiro próximo.

Muita água vai passar sob a ponte nos próximos oito meses; inclusive, teremos trocado de presidente.

Gato escaldado, não tenho as mesmas ilusões quanto às vias institucionais; essa OEA é a que falhou miseravelmente no golpe de Honduras.

O certo é que a 5ª Feira Negra do STF legou aos pósteros um absurdo jurídico que até o sujeito da esquina (aquele personagem tão menosprezado pelo ministro Gilmar Mendes...) percebe: o de que uma ditadura possa fazer aprovar uma Lei de Anistia que cumpra o espúrio papel de habeas corpus preventivo, para que seus criminosos não sejam punidos adiante, quando o país voltar à democracia.

Pior ainda do que a impunidade dos carniceiros do passado, na minha opinião, foi ter sido deixada em aberto essa possibilidade, permitindo que, no futuro, o mesmo subterfúgio infame seja utilizado de novo.

Trata-se de um nó que os empolados ministros do STF deram e teremos de desatar, em benefício dos que virão depois de nós. Pois, bem vistas as coisas, é eles e a luta deles que devemos agora priorizar.

Falei sobre isso no meu discurso.

Também juntei a minha voz aos que reverenciaram os heróis mortos.

A exibição de pequenos pôsteres com foto dos companheiros que tombaram na luta contra a ditadura de 1964/85 tem tudo a ver numa manifestação como essa, mas é deprimente ao extremo para quem os conheceu vivos.

Então, logo na minha chegada ao Pátio do Colégio, enquanto se montava o cenário, já vi os cartazetes de meu colega de infância e companheiro de armas Eremias Delizoicov, retalhado por 35 disparos aos 18 anos; da Heleny Guariba, que começou a atuar na VPR como aliada do meu setor de Inteligência e pela qual eu tinha grande estima; do Eduardo Leite, o Bacuri, homem duro na ação mas que muitas vezes parecia um meninão no trato pessoal; do Devanir de Carvalho, que solidariamente me abrigou num aparelho do MRT quando fiquei descontactado da VPR em meio à confusão do pós-racha de outubro de 1969.

Quantas lembranças. E como dói pensar em tudo que perderam, abatidos no auge de suas existências pelas bestas-feras da repressão!

Para me deixar mais melancólico ainda, aquelas peças foram distribuídas aos manifestantes, para que as mantivéssemos orgulhosamente erguidas durante o ato. E a mim, por coincidência, coube logo o pôster de Juarez Guimarães de Brito, o melhor dentre todos os dirigentes revolucionários que conheci na vida, porque o mais humano e o menos apegado ao poder.

Professor universitário, vários de seus alunos o acompanhariam na militância. E foi ao ver um de seus pupilos preso e servindo como isca num ponto que ele tomou a decisão generosa e temerária de arriscar a vida num plano de resgate que improvisou no momento.

Deu errado e ele arcou integralmente com as consequências de seu erro: cercado, sem chance de fuga, suicidou-se para não cair nas garras do DOI-Codi.


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