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30.10.10

O DEBATE DE ITARARÉ

Celso Lungaretti (*)

Depois do debate eleitoral (promovido por um pool de emissoras de TV) que decidiu -- ou pareceu ter decidido -- a eleição presidencial de 1989, a Rede Globo deve ter unilateralmente resolvido evitar que isto acontecesse de novo, nem que fosse preciso matar de tédio os telespectadores. Está conseguindo.

O certo é que agora monopoliza a data estratégica da antevéspera do 2º turno, mas não para promover debates, e sim chatíssimas sabatinas dos presidenciáveis, que são inquiridos por eleitores indecisos de todos os Estados.

Então, não se discute política propriamente dita, mas, tão somente, propostas administrativas que vêm ao encontro das aspirações dos eleitores, aferidas nas pesquisas qualitativas (pouco importando que sejam inexequíveis e virem letra morta depois...) e miudezas ridículas.

Às vezes dava a impressão de que, ao invés de um presidente, escolhia-se um síndico.

Bom para quem tem confortável vantagem, como Dilma Rousseff. O formato condiciona a que nada suceda de realmente importante.

Ruim para José Serra, que, conformando-se com a camisa de força que lhe foi imposta, jamais conseguiria virar o jogo.

Abúlico, ele nem tentou provocar um debate de verdade. Ficou dando suas aulas que provocam ataques de bocejos nos eleitores, até o mais amargo fim.

Ou seja, não produziu o milagre com que os seguidores mais irrealistas ainda sonhavam, selando definitivamente sua derrota.

* Jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com

29.10.10

RETROCESSO EVITADO, A PRIORIDADE SERÁ DESLANCHAR O AVANÇO

Como não há mal que sempre dure, chegará ao fim neste domingo a campanha presidencial mais tediosa e deseducativa desde que o Brasil voltou à civilização, em 1985, depois de 21 anos de trevas.

O ritual democrático desta vez ficou em descompasso com o estado de ânimo do povo brasileiro.

Vivendo seu melhor momento econômico das últimas décadas, com mais empregos, mais ganhos, mais consumo e perspectivas douradas pela frente (pré-sal, Copa do Mundo e Olimpíada), o que nossa gente queria mesmo era manter Lula na Presidência.

Felizmente, ele fechou os ouvidos ao canto das sereias, não consentindo numa mudança das regras do jogo.

A segunda reeleição, com certeza, seria legitimada por um plebiscito e pela previsível avalanche de votos... trazendo consigo, entretanto, o espantalho do chavismo, pretexto pelo qual há muito anseiam as correntes mais nocivas e retrógradas deste país, sempre à cata de uma oportunidade para reeditarem 1964.

Dilma Rousseff foi a aposta de Lula para manter a hegemonia petista sem a única grande liderança nacional que o PT produziu até agora.

Só que, depois de cinco eleições consecutivas em que ele foi ou vitorioso ou o principal adversário do candidato vencedor, Dilma necessariamente pareceria uma coadjuvante fazendo as vezes de protagonista.

Saiu-se até melhor do que o esperado, mas dificilmente chegaria aonde chegou se dependesse apenas de seu (escasso) carisma. Deverá a eleição a Lula, como Dutra deveu a dele a Vargas.

Quanto ao maior antagonista, sua missão era, de antemão, quase impossível. Mas, não há dúvidas de que ele maximizou a piora do, em si, já ruim.

Também pouco carismático – parece sempre um mestre-escola lecionando a alunos de compreensão lenta – José Serra começou tentando eleger-se como o administrador experiente que seria melhor continuador de Lula do que a candidata do próprio Lula. Bola fora.

À medida que se evidenciava sua importência para evitar a derrota anunciada a partir de uma agenda positiva, foi apelando para a negativa: desceu do pedestal e passou a jogar sujo.

Endossou a pregação alarmista do seu vice Índio da Costa, cujos clichês ultradireitistas eram visivelmente copiados de sites goebbelianos como o Ternuma.

Olhou para o outro lado enquanto uma escória virtual – as  viúvas da ditadura  e os cuervos por elas criados (os pupilos neofascistas) – movia, em seu benefício, uma sórdida campanha caluniosa contra Dilma. Imputavam-lhe responsabilidades indevidas (participação em episódios da luta armada com os quais nada teve a ver), apresentando como  crimes  e  terrorismo  o que foi, na verdade, corajosa resistência à tirania.

Desceu até o fundo do poço ao transformar o aborto em tema de campanha, como se a real convicção dele, de Dilma e dos cidadãos civilizados não fosse basicamente a mesma: o estado deve prioritariamente evitar que as mulheres corram altos riscos abortando em condições precárias, ao invés de se subjugar a dogmas medievais.

Caiu no ridículo ao querer erigir um episódio banal de campanha em ameaça à democracia, esquecendo que bolinhas de papel e rolinhos de fita crepe machucam muito menos do que os cassetetes da tropa de choque da PM, tantas vezes brandidos contra manifestantes pacíficos quando ele era governador de São Paulo.

Last but not least, resvalou também para a demagogia, com propostas como a de elevar o salário mínimo a R$ 600, aumentar em 10% o valor da aposentadoria e pagar 13º para os beneficiários do Bolsa Família.

Com tudo isso, só conseguiu transformar a previsível derrota do campo conservador numa acachapante derrota pessoal, da qual dificilmente se reerguerá.

Dilma, por sua vez, terá um desafio maior ainda a partir de 1º de janeiro: provar que mereceu ser a primeira mulher a chegar à Presidência do Brasil, imprimindo uma marca pessoal ao legado recebido de Lula.

Já conseguiu evitar o retrocesso, parabéns!

Torçamos para que ela seja igualmente bem sucedida em deslanchar o avanço, com determinação e ousadia.

28.10.10

PAPA CHANTAGEIA A DEMOCRACIA BRASILEIRA

Reunido com bispos brasileiros na manhã desta quinta-feira (28) em Roma, o patético papa Bento XVI conclamou-os a meterem o nariz em assuntos que não lhes dizem respeito, como se a separação entre a Igreja e o Estado não vigesse há 120 anos em nosso país!

Sem se dar conta de que os valores medievais hoje nada mais são do que cinzas de um passado que envergonha os civilizados, quer o Papa que a Igreja faça proselitismo político ("quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas"), pressionando partidos e candidatos no sentido de que:
  • seja negado às mulheres o direito de interromper, mesmo no início, uma gravidez indesejada, e aos desenganados o direito de escolherem o momento e a forma como preferem morrer ("Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático é atraiçoado nas suas bases");
  • seja imposto o ensino religioso em escolas públicas do Estado, obrigando professores a cumprirem o papel de sacerdotes e invadindo a esfera de decisão das famílias ("uno a minha voz à vossa num vivo apelo a favor da educação religiosa, e mais concretamente do ensino confessional e plural da religião, na escola pública do Estado"); e
  • sejam expostos símbolos religiosos em ambientes públicos, em gritante violação dos direitos de religiosos de outras confissões, ateus e agnósticos ("Queria ainda recordar que a presença de símbolos religiosos na vida pública é ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia do seu respeito").
Em tempos corriqueiros, este anúncio da  Teologia do Retrocesso  de Bento XVI já seria uma descabida incitação ao lobbismo.

Três dias antes do 2º turno de uma eleição presidencial, a interferência  indevida desse papa (cujo horizonte mental é o de um ativista da TFP...) assume gravidade ainda maior.

Pois se trata, pura e simplesmente, de uma CHANTAGEM contra a democracia brasileira.

26.10.10

SERRA 2010: REQUIESCAT IN PACE

O tedioso debate eleitoral da rede Record foi apenas mais um prego no caixão das aspirações presidenciais de José Serra.

Lutando por pequenas vantagens que não seriam suficientes para alterar o quadro cada dia mais consolidado -- como a tentativa de demonstrar que não é o único privatizador, com insistência tão exagerada que irritou o mais paciente dos telespectadores --, ele só conseguiu mostrar-se de novo impotente para sobrepujar nitidamente sua adversária.

Ora, sabe-se desde o início da campanha que, sem a nocautear, Serra jamais contrabalançaria a enorme popularidade do patrono de Dilma Rousseff.

Vitória apertada por pontos, o máximo que se pode atribuir-lhe, nunca bastou. São necessárias razões fortíssimas para o eleitorado trocar o certo pelo duvidoso. Em dúvida, pro continuidade...

Então, a penúltima refrega só fez aumentar a saturação de quem a acompanhou e nada forneceu de bombástico que possa ser utilizado no horário eleitoral.

Bem vistas as coisas, Dilma foi até mais eficiente em encurralar o antagonista, nos quesitos  geração de empregos  (alguém deveria, contudo, dar-lhe o toque de que o Governo Lula, ao criar o  TRIPLO  de postos de trabalho do Governo FHC, produziu  DUAS VEZES MAIS  empregos, e não três...) e promessa quebrada (de cumprir até o último dia seu mandato de prefeito).

Serra ainda ensaiou tímidas refutações no primeiro tópico e fugiu do segundo assunto como o diabo da cruz.

Só que, com isto, deixou uma considerável nódoa em sua biografia. Cansa de afirmar que sua trajetória fala por si, mas nada tem a declarar sobre o fato de ter assumido publicamente um compromisso solene e não o haver honrado, colocando as conveniências políticas acima da palavra empenhada.

Como eu também estou saturado, tomarei emprestado do colunista Fernando de Barros e Silva o necrológio da candidatura de Serra, que pode ser feito com cinco dias de antecedência, sem risco nenhum de erro, porque a fatura já está liquidada:
"Este (...) segundo turno (...) já acabou. Por exaustão. Por carência de ideias. Por excesso de chatice. Pelas falsas polêmicas...

"Acabou, antes de mais nada, porque Dilma Rousseff deve ser eleita no domingo, a não ser que José Serra produza em cinco dias o milagre que não foi capaz de fazer desde que se lançou, em abril.

"Tem-se, hoje, a impressão de que o tucano não encontrou o tom da campanha e esgotou suas armas. Quais foram elas? Um capacete na cabeça e um crucifixo na mão.

"A insistência no tema do aborto, com o trololó religioso que durou semanas, e a valorização estridente da agressão de que foi vítima no Rio são sintomas de um candidato sem foco, desesperadamente em busca de algo em que se agarrar.

"Só isso explica, também, o acesso populista do tucano austero, que promete elevar o salário mínimo a R$ 600, aumentar em 10% o valor da aposentadoria e pagar 13º para os beneficiários do Bolsa Família. Serra quis parecer o Lula do Lula.

"Mobilizando a agenda conservadora ou mimetizando a pauta petista, o tucano apostou sempre e tão somente em si mesmo, na sua capacidade de fazer, mandar, decidir.

"Pode soar estranho, porque se trata de um personagem doente de tão racional, mas Serra é um candidato com forte traço messiânico.

"Mas o que ou quem ele quer salvar? Os pobres? A democracia? Os valores da família? A nossa fé? Apesar de ser mais aparelhado do que sua adversária, o tucano se desvirtuou no processo eleitoral, sem, no entanto, conseguir romper o encanto do lulismo nem propor uma discussão séria do país, que fosse além da sua obsessão pessoal".

25.10.10

CAPITALISMO GLOBALIZADO x FUTEBOL: UM MASSACRE!

Completadas 31 das 38 rodadas, o Fluminense e o Cruzeiro lideram a série A do Brasileirão 2010, tendo conquistado 58% dos pontos que disputaram.

Só em 2002 o campeão (Santos) teve aproveitamento tão ruim nesta década. E a forma de disputa era outra, com 26 competidores e um turno só, seguido de mata-matas.

Nos demais anos, ficou entre 64% e 68%, salvo em 2003 (o Cruzeiro obteve expressivos 72%) e 2009 (os 59% do Flamengo).

O certo é que, ultimamente, vemos o principal campeonato nacional do esporte preferido dos brasileiros reduzido a um perde-ganha maluco, com os times disparando na frente e depois sofrendo quedas vertiginosas de rendimento, que deixam pasmos os torcedores.

O Palmeiras estava encomendando as faixas no ano passado quando passou a perder todas e acabou nem mesmo entrando na zona de classificação para a Libertadores.

Agora em 2010, Corinthians e Fluminense já estiveram bem à frente dos rivais, mas as abruptas fases negativas pulverizaram sua vantagem. Depois chegou o Cruzeiro... e, mal atingiu o 1º lugar, também caiu de produção.

Por quê?

Porque os esforços excessivos a que estão sendo submetidos os jogadores acabam estourando os elencos. E, conforme se contundem seus jogadores-chave, os times desabam.

Isto se dá não só em função da quantidade excessiva de jogos disputados, como também por esquemas táticos que exigem mais correria do que os atletas podem suportar no médio e longo prazos.

Emblemático foi o caso recente do Corinthians. Com Mano Menezes como técnico, vinha sendo a equipe mais consistente do futebol paulista... exatamente porque dosava suas forças e conseguia suportar bem a sequência de jogos. Isto incluía poupar os atletas cujo desgaste atingia um ponto perigoso, dando-lhes merecidos descansos.

Mano foi para a Seleção, veio Adilson Batista e armou bem o Corinthians, no papel. Com um esquema de marcação sob pressão inclusive no campo adversário, chegou a conquistar excelentes resultados, como as vitórias fora de casa contra Fluminense e Santos.

Mas, estava esticando demais o elástico e este, de repente, arrebentou, com as contusões se multiplicando e o time entrando em parafuso.

Quatro derrotas e três empates depois, seu substituto Tite é a esperança de reencontro com o equilíbrio possível. Começou bem, vencendo o Palmeiras.

APOGEU DOS SUPERCRAQUES DURA CADA VEZ MENOS

O certo é que o espírito de ganância capitalista aplicado ao esporte dá nisso: exige-se demais dos jogadores, fazendo com que degringolem fisica ou psicologicamente.

Que eu saiba, só quem vem abordando sistematicamente esta nova realidade é o grande Tostão. Ele ressalta que a carga de esforços imposta aos profissionais de futebol vem encurtando a carreira dos supercraques, cujo apogeu acaba bem mais cedo do que antes. Exemplos: Ronaldinho Gaúcho e Kaká.

E não é uma distorção só do futebol. Noutros esportes o desempenho chegou a ser maximizado por dopings e agora há casos como o do tenista Rafael Nadal, que sacrificou-se demais para chegar ao posto de 1º do ranking e acabou pagando alto preço: uma contusão o manteve afastado por um semestre das quadras. Ao voltar, aprendera a dosar melhor suas forças.

Dá pena vermos nosso esporte das massas transformado num concurso de resistência física, como aquelas maratonas de dança da Grande Depressão, magnificamente retratadas no filme A Noite dos Desesperados (d. Sidney Pollack, 1969), em que Jane Fonda teve a melhor interpretação de sua carreira.

Já houve tempo em que tínhamos aqui campeões incontestáveis, que dominavam as competições de ponta a ponta, não times que conservam um tiquinho a mais de forças e atropelam na reta final, de forma que o título parece ter-lhes caído do céu.

No último campeonato espanhol, o Barcelona registrou um inacreditável aproveitamento de 87%, sofrendo uma única derrota em 38 partidas.

Mesmo assim, só foi campeão por ter vencido no turno e returno o vice Real Madrid que, com 84%, fez a segunda melhor campanha de todos os tempos na Liga.

É um círculo vicioso: quando a grana comanda tudo, os países ricos podem fazer calendários menos desgastantes e tratar suas estrelas de forma menos desumana, até porque contam com ótimos substitutos. Isto se reflete nos resultados esportivos, que, por sua vez, geram retorno financeiro condizente.

Enquanto os pobres -- nós -- somos obrigados a exportar cada vez mais cedo nossas revelações e a superexplorar os que ficam, o que fazendo despencar cada vez mais a qualidade e o brilho das competições.

Disse e repito: o capitalismo consegue macular tudo que há de bom, nobre, justo, digno e belo em nossas existências.

O BEBÊ CHORÃO E A GRANADA DE PAPEL

É de um ridículo atroz a grita demotucana, tentando apresentar um episódio pequeno e patético como se fosse uma terrível ameaça à democracia.

Ameaças reais à democracia eram, isto sim, as brutais agressões da polícia do então governador José Serra aos professores e aos universitários de São Paulo.

Para quem já esqueceu esses episódios, eis como o professor doutor Pablo Ortellado, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, relatou um deles, a chamada  batalha da USP, em junho/2009:
"Quando [os docentes da USP] chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas de concusão (falsamente chamadas de 'efeito moral' porque soltam estilhaços e machucam bastante) e de gás lacrimogêneo. A multidão subiu correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembléia havia sido interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio (...).

"Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás -- [nomeia cinco professores] todos com os olhos inchados e vermelhos e tontos pelo efeito do gás. A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico.

"Durante cerca de uma hora, pelo menos, se ouviu a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio.

"(...) Neste momento, recebi notícia que meu colega Thomás Haddad havia descido até a reitoria para pedir bom senso ao chefe da tropa e foi recebido com gás de pimenta e passava muito mal. Ele estava na sede da Adusp se recuperando.
"Durante a espera infinita no pátio da História, os relatos de agressões se multiplicavam. Escutei que a diretoria do Sintusp foi presa de maneira completamente arbitrária e vi vários estudantes que haviam sido espancados ou se machucado com as bombas de concusão (inclusive meu colega, professor Jorge Machado). Escutei relato de pelo menos três professores que tentaram mediar o conflito e foram agredidos.

"Na sede da Adusp, soube, por meio do relato de uma professora (...) que chegou cedo ao hospital que pelo menos dois estudantes e um funcionário haviam sido feridos".
EXAGEROS E MENTIRAS - Então, em meio a tanta tempestade em copo d'água e tanta manipulação desavergonhada sobre o  rolinho de fita crepe assassino, é um alívio encontrar colegas que ainda se comportam com a dignidade de verdadeiros jornalistas, mesmo atuando na grande imprensa.

Pena que sejam só os veteraníssimos, que os veículos da mídia golpista suportam porque seria contraproducente tirar-lhes os espaços, expondo-se a uma enxurrada de críticas. Preferem aguardar que se aposentem, enquanto tratam de evitar que tenham sucessores.

Enfim, saudemos os Jânios de Freitas que ainda restam, capazes de dar a definitiva palavra sobre os factóides ridículos que o PIG tenta fabricar, como ele fez nestas considerações:
"O PSDB e aliados investem no engrandecimento do choque entre o objeto na cabeça de José Serra e a reação de Lula. A rigor, a gravação com celular feita pelo repórter Italo Nogueira, da Folha, a meu ver não permite a afirmação categórica de que um segundo objeto, contundente, atingiu a cabeça de Serra.

"O tumulto forçou imagens tremidas, que precisam de perícia, e talvez não uma só, para a interpretação segura.

"A própria Folha, em cuja Redação no Rio a gravação foi examinada inúmeras vezes, tratou-a com cautela. A Globo decidiu bancá-la como imagem de um objeto atingindo Serra. Se houve esse objeto além da bolinha de papel, é certo que não teve mais de um palmo e não 'era duro e pesava mais ou menos meio quilo', como descrito por Serra.

"Sabe-se que ele é cabeça-dura, mas não a ponto de nela receber um objeto com tais características e, nem se diga ferimento, mas sequer ficar marca na pele..."

AFINAL, POR QUE NÃO EXTIRPARMOS O DEM?

Quem acompanha meu trabalho, sabe muito bem que não faço parte da claque do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Eu o critico ou elogio caso a caso, submetendo o que ele diz e faz ao crivo dos valores da minha geração revolucionária (a de 1968), que continuo tendo como bússola.

Então, quando ele afirmou, p. ex., que a polícia tem de subir o morro para bater em quem merece apanhar e proteger quem merece ser defendido, eu virei um caminhão de melancias em cima de V. Exa.

Polícia, para quem veio das correntes ideológicas das quais nós dois viemos, não tem como função bater em ninguém, ponto final. O título do meu post disse tudo: Por que não te calas, Lula?.

Mas, estarei também sempre pronto a denunciar a má fé com que a mídia golpista carrega nas tintas em tudo que se refira ao Lula.

P. ex, a frase "precisamos extirpar o DEM da política brasileira", tão vituperada quanto distorcida, é pertinente, válida e nem um pouco antidemocrática. Subscrevo-a e aplaudo.

Em nenhum momento ele falou em exterminar fisicamente os adversários, como alegam os exegetas de nenhuma sutileza e indisfarçável tendenciosidade. A afirmação é claríssima: trata-se de livrar a política brasileira de uma de suas piores ervas daninhas.

De onde essa gente derivou, afinal, a conclusão de que isto se faria por métodos truculentos e não, simplesmente, pelo voto?

Foi, aliás, bem o que ocorreu em 3 de outubro. Os  demônios  estão sendo exorcizados, alvíssaras!

PARTIDO DO "SIM, AMÉM, COMO QUEIRA, SENHOR!"

A facção militar que usurpou o poder em 1964, quis porque quis impor-nos um quadro político semelhante ao dos EUA, com apenas dois grandes partidos.

Então, extinguiu todas as agremiações até então existentes e deixou que se erguessem sobre os escombros apenas um partido do  sim, amém, como queira, senhor!  e outro do não concordo mas só me resta aceitar, senhor!.

A Arena foi cúmplice do arbítrio, dos descalabros e das atrocidades, pois a tudo concedeu seu aval apriorístico e automático, na farsa que se encenava para dar aos néscios a impressão de que as instituições ainda vigiam no Brasil.

O MDB, quase sempre manietado e reduzido à impotência, pelo menos resmungava sua desaprovação. E, cada vez que tentava fazer algo além disto, era colocado de volta no seu lugar: os déspotas fechavam o Congresso e promoviam expurgos ("cassações") na bancada emedebista.

E, claro, eram os da Arena que se beneficiavam das negociatas e das boquinhas do poder. Os porcos eram convenientemente cevados, em troca dos seus serviços sujos.

Quando a ditadura caía de podre, os mais finórios  arenosos  (o nome do partido já era outro, PDS, mas pouco importa...) conspiraram com Tancredo Neves para se conservarem no poder mesmo com o País voltando à civilização.

Como?

Primeiramente, votando em massa contra a Emenda Dante de Oliveira, que restituiria ao povo brasileiro o direito de eleger seu presidente da República pela via direta. Numa eleição de verdade, o franco favorito era o Brizola.

Depois, desertando do partido oficial e concedendo a Tancredo os votos de que ele necessitava para derrotar Paulo Maluf no Colégio Eleitoral.

Como prêmio pelos seus préstimos, o novo partido por eles constituído, PFL, passou a ser o sócio do PMDB no comando da chamada  Nova República.

Até a sorte os favoreceu: um dos piores dentre eles, José Sarney, viu o poder cair-lhe no colo com a morte de Tancredo.

Também pouco importa que Sarney tivesse preferido pular para o galho do PMDB ao invés de filiar-se ao PFL. Por passado, personalidade e caráter, ele sempre pertenceu ao segundo. Rótulo, no seu caso, era o de menos.

Vai daí que, com presença tão marcante de ex-arenosos nos postos-chave, a Nova República foi extremamente tímida em eliminar o entulho autoritário e nada fez para punir os torturadores  Como esperar que os cúmplices do arbítrio assumissem para valer a alardeada missão de  passar o Brasil a limpo

Desde então, o PFL, depois DEM, foi se definindo como o que há de mais próximo de uma direita ideológica na política brasileira, principalmente porque o Partido Liberal -- que, em termos teóricos, teria mais afinidade com tal papel -- não vingou.

O componente fisiológico também existe e é forte no DEM, claro.

Mas, o principal de sua identidade é dado, de um lado, pelos adeptos da  modernidade  capitalista, os supostamente civilizados; e do outro, pelos ansiosos por um novo totalitarismo, as  viúvas da ditadura  e seus filhotes neofascistas, enfim, os que não conhecem sequer o significado do substantivo  civilização...

Ignoro como os primeiros conseguem suportar tão bem o mau hálito dos segundos. Usarão máscaras contra gases?

Também não sei qual a correlação interna de forças -- se podemos considerar concludente o fato de que tenham escolhido para vice de José Serra um de seus brucutus mais emblemáticos, tão tosco nos seus valores quanto em matéria de conhecimentos gerais (ou, mais precisamente, falta de).

Mas, do que não tenho nenhuma dúvida é o seguinte: tal erva daninha não deixaria nenhuma saudade e merece mesmo ser extirpada e atirada o quanto antes na lixeira da História.

22.10.10

HOMENAGEM AO INDÔMITO JOSÉ SERRA

Rei Leônidas: comandou os 300 guerreiros espartanos que resistiram até a morte ao poderoso exército persa do rei Xerxes.

Jesus Cristo: sabendo que teria como destino morrer na cruz, aceitou sacrificar-se em nome de suas crenças.

Filósofo Giordano Bruno: preso e torturado pelo Santo Ofício por mais de sete anos, recusou salvar-se com uma tímida abjuração, preferindo morrer, porque, segundo suas palavras, havia "sangue demais" nas mãos dos inquisidores.

General Charles Gordon: era uma lenda viva no Oriente quando decidiu permanecer em Khartoum, cercada pelos fanáticos guerreiros do Mahdi, na esperança de que os britânicos, intervindo para salvar sua vida, evitassem o massacre da população. A cidade caiu e ele morreu.

Presidente Getúlio Vargas: na iminência de sofrer impeachment, respondeu com o suicídio e uma dramática carta-testamento que motivou as forças populares a reagirem, impedindo a tomada do poder pelos conspiradores direitistas.

Presidente Charles De Gaulle: fazia questão de, durante os atentados que sofria dos terroristas da OAS (inconformados com a retirada dos colonialistas franceses da Argélia), mostrar total indiferença às balas que zuniam a seu redor.

Comandante Joaquim Câmara Ferreira: barbaramente torturado durante a ditadura varguista, garantiu que isto nunca se repetiria. Preso no regime militar, atracou-se com os torturadores, confrontando-os vigorosamente até forçar um ataque cardíaco. Morreu cumprindo com sua palavra.

Companheiro Presidente Salvador Allende: recusou a oferta dos golpistas de Pinochet, que lhe permitiriam sair do Chile, num avião, com os seguidores que escolhesse. Preferiu morrer de arma na mão, enfrentando os fascistas que invadiam a sede do governo.

Bobby Sands: militante do Exército Repúblicano Irlandês (IRA) que morreu após sustentar uma greve de fome por 66 dias contra o jugo inglês.

José Serra: interrompeu sua campanha presidencial, na reta final, para recuperar-se do terrível trauma que sofreu, ao ser atingido por uma bolinha de papel e um rolinho de fita crepe.

20.10.10

CAMPANHA DO SERRA EM POLVOROSA: QUEDA PODE SER DEFINITIVA

Um bom amigo me perguntou se eu não estaria sendo precipitado, ao concluir que o impulso dado à candidatura demotucana pela surpreendente sobrevida já está exaurido. Colocou em dúvida a confiabilidade do instituto Vox Populi.

Respondi que, independentemente da pesquisa e de quem a fez, era isto que eu intuia desde o debate Folha/Rede TV.

José Serra -- a quem caberia aplicarmos o título do livro/filme de Clive Barker, Renascido das Trevas (Hellraiser, 1987) -- teria de aproveitar o que porventura ainda restasse do seu momento favorável, levando Dilma Rousseff às cordas naquele debate.

Uma pesquisa por ninguém questionada, a do DataFolha, já revelava que a sangria de votos de Dilma havia sido estancada e a situação estabilizara-se novamente, num patamar ainda seguro para a candidata oficial.

Serra teria de produzir algum impacto na noite de domingo, para voltar a crescer a partir da 2ª feira. Negou fogo.

Então, deduzi, a tendência era de que a altíssima aprovação do governo atual e a popularidade do presidente Lula voltassem a fazer a diferença, já que nenhum candidato sobrepujava nitidamente o outro -- como, aliás, vinha se constatando desde o início da campanha.

Então, das quatro semanas entre um turno e outro, na primeira Serra tentou e não conseguiu decolar; na segunda houve imobilismo; a terceira tende a ser de Dilma; e a possibilidade de que o quadro sofra uma grande reversão na quarta é das mais remotas.

Com o que isto se parece? Com a eleição de 2006, claro! Pois:
  • tudo levava a crer que Lula liquidaria a fatura no 1º turno;
  • a tendenciosidade da mídia, produzindo na enésima hora um factóide providencial, salvou Geraldo Alckmin;
  • este, entretanto, não conseguiu embalar na 1ª semana;
  • Lula segurou a onda, voltando a crescer nas duas semanas seguintes;
  • chegou à 4ª com a vitória consolidada, de tal forma que o resultado das urnas (ele colocou uma vantagem de 21%, mais de 20 milhões de votos, em cima de Alckmin) foi apenas a confirmação do que todos esperavam.
Analista político que se preza tem de acreditar nas suas avaliações e intuições. Eu não fico em cima do muro, teclo-as e divulgo.

Uma notícia desta 4ª feira (20) da Folha de S. Paulo, Campanha de Serra vê perda de fôlego e traça mudanças, vem ao encontro da minha sensibilidade, como se constata nestes trechos:
"O comando da campanha de José Serra (PSDB) avalia que houve uma perda de fôlego nos últimos dias e estuda como manter a candidatura em ascensão.

Um reflexo disso foi o abandono do tema do aborto e de questões religiosas pelo tucano...

"O tema (...) já começa a ser visto com potencial negativo pelo PSDB, especialmente depois que a mulher de Serra, Monica, acabou incluída involuntariamente no noticiário...

"Ontem, o partido demonstrou publicamente uma contrariedade em grau ainda não manifestado em relação a uma pesquisa do Vox Populi que apontou crescimento da vantagem de Dilma Rousseff (PT) sobre o tucano...

"A pesquisa deu início a um procedimento raro na campanha de Serra. O presidente do PSDB e coordenador da campanha, Sérgio Guerra, decidiu conceder entrevista coletiva com o objetivo de desqualificar o instituto e os números da pesquisa...

"Guerra fez um pronunciamento de nove minutos recheado de duros ataques ao instituto. Apesar das críticas, ele não anunciou nenhuma medida judicial em relação à pesquisa ou ao instituto.

"Um tucano também afirmou ontem que a expectativa do partido é que a próxima pesquisa Ibope, que deve ser divulgada hoje, também aponte um crescimento de Dilma, interrompendo a trajetória ascendente de Serra". [os grifos são todos meus]
Nas entrelinhas, o que se percebe é o desespero de quem vê a derrota chegando.  

Caso a expectativa  em relação ao Ibope se confirme, como eu acredito que se vá confirmar, a candidatura de Serra voltará a fazer água.

E, desta vez, não haverá nenhuma Marina Silva para atirar-lhe uma bóia...

19.10.10

SERRA NÃO EMPOLGA E DILMA VOLTA A SUBIR

Após o insosso debate entre os presidenciáveis que a Rede TV e a Folha de S. Paulo promoveram no último domingo, fiquei com a impressão de que 2006 se repetiria: um grande esforço de última hora da mídia golpista evitando que a candidatura oficial decidisse a parada logo no 1º turno, mas não sendo suficiente para reverter o resultado anunciado.

Como Alckmin daquela vez, Serra não encontrou o mapa da mina. Marina Silva e o PIG lhe proporcionaram uma sobrevida, mas aproveitá-la para decolar são outros quinhentos.

Com carisma zero, não consegue fazer seus castelos nas nuvens valerem mais do que uma realidade palpável: as condições de vida dos pobres e dos muito pobres melhoraram sob o governo atual.

Então, independentemente de posturas ideológicas, o que deixa Serra num beco sem saída são a aprovação e popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A percepção do eleitor despolitizado é de que o Brasil evoluiu, daí ele encarar a tempestade de som e fúria dos demotucanos como tentativas de encontrarem pêlo num ovo que está dando certo. Portanto, significando nada.

Trata-se de uma sinuca de bico: não há factóide, propaganda enganosa e alarmismo que façam os eleitores  pés no chão  mudarem seu voto.

O desejo da Veja, erigido em matéria de capa (!), é o de que a eleição fosse decidida em Minas Gerais, com Aécio Neves como fiel da balança. Dia 31 a revista aprenderá que jornalismo é algo mais do que expressão de desejos.

Uma mudança surpreendente do quadro só seria possível se Serra fosse um personagem eletrizante; mas, seu estilo é de quem está sempre explicando o óbvio a estudantes burrinhos. Não empolga ninguém.

Ora parece um mestre-escola alongando-se em repetições desnecessárias para martelar as lições na cabeça dos alunos, ora um guarda-livros a detalhar uma contabilidade que ele considera interessante e os demais, nem um pouco. Enfim, um chato de galochas, como se dizia antigamente.

O aborto (a palavra aqui cai muito bem...) da hipotética virada já começa a se evidenciar nas pesquisas eleitorais: a última do Data Folha mostrara um quadro estático e a nova do Vox Populi flagra subida de Dilma.

Pior que a derrota será a decepção causada por Serra àqueles que ainda acreditavam nele.

Aceitar o apoio e beneficiar-se da baixaria das correntes virtuais ultradireitistas, fazer promessas demagógicas como a do salário mínimo de R$ 1.600 e colocar uma questão religiosa no centro da campanha o deixou com a imagem de quem pisa até no pescoço da mão para chegar à Presidência.

O último a projetar tal imagem acabou morrendo na praia. E, convenhamos, fazia bem mais por merecer o ambicionado troféu.

14.10.10

HÁ 40 ANOS, ASSIM MORRIA O COMPANHEIRO TOLEDO

Começam nesta 5ª feira (14) os eventos que marcarão o transcurso do 40º aniversário da morte, aos 57 anos de idade, do jornalista e revolucionário Joaquim Câmara Ferreira, que militou no Partido Comunista Brasileiro entre 1933 e 1967 (tendo sido barbaramente torturado durante o Estado Novo), para terminar seus dias como dirigente máximo da Ação Libertadora Nacional, no ano seguinte ao assassinato de Carlos Marighella, de quem foi o braço direito.

Toledo  receberá,  in memorian,  a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo, às 19h, na Câmara Municipal.

Para quem quiser conhecer melhor a trajetória desse companheiro exemplar, recomendo a obra "O revolucionário da Convicção: Joaquim Câmara Ferreira, o Velho Zinho", de Luiz Henrique de Castro Silva (2008), cuja íntegra pode ser baixada gratuitamente neste site 

Eis o trecho referente à prisão e morte de Toledo:

Joaquim Câmara Ferreira permaneceu com o grupo até quarta-feira, dia 21 de outubro de 1970. (...) Carlos Eugênio [da Paz] retirou Joaquim Câmara Ferreira de seu aparelho e ouviu deste que seu encontro com Severino [militante que tinha sido preso e reaparecera dizendo haver escapado] seria sexta-feira ao cair da noite. Então Carlos Eugênio disse: “peço oficialmente permissão para montar um esquema de segurança”.

Entretanto ouviu o seguinte de Câmara Ferreira: “sua insistência me desgosta, confio no companheiro e considero esse assunto encerrado.”

Um dos pontos que Joaquim Câmara Ferreira foi cobrir era com Renato Martinelli. Dias antes, Martinelli havia se encontrado com Câmara Ferreira, que lhe falou de uma operação na qual “nós vamos pôr fogo em São Paulo, operação Marighella não sei o quê.” Mas, como Martinelli exercia a função, naquele momento, de quadro político, Joaquim Câmara Ferreira propôs: “eu vou te dar um dinheiro e você vai pra uma missão como que me retirando de São Paulo, pra eu ir pra numa missão fora de São Paulo”.

Martinelli foi então àquele que seria seu último ponto com Joaquim Câmara Ferreira, para receber a missão e o dinheiro que lhe seria dado. Os contatos com Câmara Ferreira eram sempre diretos.
"[De acordo com Martinelli] “em 22 de outubro, já de volta a São Paulo, após ter regressado de uma viagem a Santa Catarina a mando de Câmara Ferreira, vou ao seu encontro, já pela segunda vez naquela semana. Para minha primeira surpresa, sou recebido por dois outros companheiros que haviam treinado comigo em Cuba.
"No carro que estacionou ao meu lado estavam o  Cesar  e o  Garcia. Era essa a primeira vez que me encontrava com eles no Brasil. Após os rápidos cumprimentos, me passam as instruções: 'você deve seguir em frente e entrar na primeira rua à esquerda. No percurso você encontrará o  Severino. Com ele você deve ir em frente e entrar na primeira à esquerda e continuar caminhando. Não se preocupe, companheiro, que no trajeto o Velho os encontrará. Minha resposta a essa segunda surpresa é imediata: 'Mas como, companheiros, o  Severino  não está preso no Pará?'

"Não, está aqui. Fugiu da prisão e veio para São Paulo.”
Os planos do inimigo já estavam em pleno andamento. Martinelli afirmou que, naquele momento, já havia uma quebra total no esquema de segurança da Organização. Não eram observadas as mínimas regras de segurança, e, para ele, somente a subestimação do inimigo, um pecado mortal na guerra revolucionária, pode explicar como os repressores haviam conseguido, em um período tão curto de tempo, mais uma vez chegar a um dos máximos dirigentes da ALN.
"[Conforme Martinelli] a situação era insólita, a última vez que eu havia visto o  Severino  fora ainda em Belém do Pará, no dia 7 de setembro, véspera do seu embarque para Imperatriz. Eu me lembro que caminhamos pela cidade e depois fomos comer um pato no tucupi, uma comida típica da região, em um restaurante perto do centro. Agora em São Paulo, seguindo todas as instruções dos companheiros, vou ao encontro do transfigurado 'companheiro': 'Você está bem magro  Severino, nem imagino pelo que passou'.

"'Nem fale nisso. Na rodoviária, quando fui preso, me confundiram com você. Quando percebi, sai correndo, briguei muito, mas me pegaram. Na prisão simulei o suicídio. Levaram-me para um hospital, de lá fugi... Cheguei a São Paulo de carona, de caminhão...'

"Caminhávamos, conversando sobre a   fuga, pela rua indicada, quando nos encontramos com o comandante Câmara Ferreira: 'Então companheiro, está contente com a surpresa?'

'Muito contente, uma surpresa e tanto' – respondi.
Para Martinelli, Joaquim Câmara Ferreira comete muitos erros em termos de se resguardar de uma possível prisão, tortura e assassinato. “Parece que ele tá meio desesperado, meio.. a segurança cai completamente. A coisa tá mais ou menos, os cuidados mínimos já não se toma, porque não existe um contato eu, ele e uma pessoa que fugiu da prisão. Não é assim que se trata.”

Martinelli afirma que havia uma lei na Organização chamada  Lei da Compartimentação, que tinha que ser respeitada por todos, ou seja, se fosse feita uma pergunta a um militante que fosse indevida, a resposta poderia ser diversionista. Se alguma pergunta ferisse a segurança de um militante, ele poderia dar respostas evasivas. E foi exatamente esta a tática utilizada por Martinelli neste último encontro com Joaquim Câmara Ferreira e o traidor  Severino.
"[Conforme suas palavras] entramos no carro, o Câmara Ferreira, o traidor Severino, e eu, dentro de um Fusca verde escuro parado na rua.  Severino continua falando sobre como chegou a São Paulo depois da 'fuga'”.

"Câmara Ferreira me pergunta se tenho mais informações sobre os acontecimentos e pede um relatório mais detalhado, por escrito, para aquele mesmo dia. Respondo que não é possível.

"Câmara Ferreira pergunta por quê. 'Não dá tempo para eu ir ao meu apartamento, escrever o relatório e voltar ainda hoje para São Paulo. Uma viagem de ida e volta até o litoral, e não é só isso, tenho outros compromissos e o tempo é curto. Essas praias, assim não há dinheiro que agüente'.

"'Lobato', você está exagerando, devia morar aqui em São Paulo. Vá lá, ao menos hoje, para poder escrever, se hospede em um hotel aqui em São Paulo, não tem problema, o  Severino  está hospedado em um...

"'Tá bem, Toledo, mas escrever um relatório para hoje é impossível, não dá. Mais alguma coisa?'

"A falta de preocupação e a confiabilidade excessiva dos companheiros e do próprio Câmara Ferreira com questões elementares de segurança sempre me incomodaram. Em primeiro lugar, em nenhuma hipótese o  Severino  poderia ter acesso direto ao Câmara Ferreira antes que todos os detalhes da sua  fuga  tivessem sido exaustivamente investigados, e muito bem comprovados por companheiros preparados para esse trabalho. 

"Depois, jamais ele poderia ter sido levado à minha presença, sem meu prévio conhecimento, ainda mais a um ponto a que compareceria o Câmara Ferreira. Finalmente, a minha resposta na presença do  Severino, praticamente me obrigava a falar do meu cotidiano, da região onde morava, e das dificuldades de escrever um relatório e apresentá-lo naquele mesmo dia. 

"A conversa continuou cada vez mais absurda para mim, algo nela me incomodava, não sabia o quê, talvez a bronca do  Toledo  pelo excesso de segurança pessoal. O fato é que, intuitivamente, no decorrer do encontro, havia sentido que devia me proteger... e sutilmente o fizera. 

"Não sei explicar por quê, talvez a surpressiva presença do   Severino  que causou uma situação de quebra total nas regras de segurança que eu havia incorporado ao meu cotidiano, e, quem sabe, ao estranho clima que permeou a insólita reunião. Por mais que eu havia notado a presença de um esquema de segurança no local, aquilo definitivamente não estava certo, estavam todos e tudo muito estranho.

"Finalmente, um novo encontro é marcado para o dia seguinte, 23 de outubro de 1970, creio que para as 19 horas, na rua Lavandisca, em Moema, quando eu entregaria o relatório para o Câmara Ferreira. Diferente do que dissera no interior do carro naquela manhã, extremando as medidas de segurança, não me hospedei em um hotel na capital e muito menos fui para um apartamento localizado no litoral. Posteriormente, soube que naquela noite a repressão havia realizado uma grande batida nos hotéis da cidade".
No dia 23 de outubro, com hora e pontos marcados, Joaquim Câmara Ferreira caminhou, ignorando todas as regras de segurança, para a armadilha que lhe havia sido preparada. Quando Joaquim Câmara Ferreira se encaminhava para o ponto com Tavares, as equipes do Dops circulavam em todas as áreas circunvizinhas, e a avenida já estava cercada pelo aparato policial formado pelo chefe dos investigadores do Serviço Secreto Osvaldo Machado de Oliveira (Osvaldão), o delegado Fleury, o delegado Jocecyr Cuoco e os investigadores Tralli, Campão e Donato.

No depoimento que deu a Percival de Souza, o delegado Jocecyr disse que era preciso que  Toledo  fizesse “avistamento”, isto é, Joaquim Câmara Ferreira deveria ver Tavares e, sentindo-se seguro, aproximar-se para fazer o contato. Jocecyr disse ainda que havia policiais disfarçados, e que “todos conheciam bem o lugar, porque, antes da operação um policial, Alemão, que gostava de tocar viola, havia feito fotografias da avenida e das imediações do ponto”. Foram dadas várias recomendações por Fleury de que se queria evitar o desastre da "Operação Marighella". Entre elas: “o homem é muito valioso e possui segurança reforçada”.

Conforme o mesmo delegado Jocecyr, quando Joaquim Câmara Ferreira apareceu, Campão atracou-se no pescoço dele com a força descomunal de um peso-pesado, perto de Tavares. Tralli foi ajudá-lo. Osvaldão gritando: “grampo no homem”. Neste momento, Renato Martinelli entrava pela avenida para o ponto com Joaquim Câmara Ferreira. Conforme seu relato:
“no dia seguinte, na hora combinada entro na rua, vestia um terno escuro, usava gravata e carregava uma pasta de executivo na mão, dentro dela levava o relatório contando detalhadamente os fatos que conhecia sobre as prisões de Belém do Pará. Minha aparência era a de mais um executivo que voltava para casa no fim da tarde, depois do trabalho. 

"Caminho uns trinta metros pela calçada do lado direito da rua. Como sempre nessas ocasiões, estou bem alerta, reparo num carro preto estacionado à minha esquerda, tem um casal no banco da frente e estão olhando fixamente para a frente, mais precisamente estão olhando para o horizonte. Definitivamente não estavam namorando, nem ao menos conversando estavam. Estranho e desconfio da atitude do casal, fico mais alerta ainda, diminuo os passos e continuo caminhando por mais uns vinte metros.

"De repente ouço uma puta gritaria. A confusão está acontecendo a uns 100 metros lá na frente, do mesmo lado da calçada que eu caminhava, a do lado direito. O carro com o 'casal de namorados' sai cantando os pneus em direção à confusão. A gritaria continua, não lembro de ter escutado tiros. Como precaução atravesso a rua e continuo andando, não sou o único a fazer isso. 

"Já no outro lado da rua, alcanço e passo pela operação policial sem ser notado. Eram muitos policiais, pelo menos uns oito, estavam todos de costas para mim, portavam armas de vários tipos, incluindo metralhadoras. Todos estavam no meio da rua, voltados para uma casa localizada na outra calçada da rua. Deitado na calçada, encostado e com o rosto virado para o muro da casa, vislumbro um vulto. A casa estava com as luzes acesas. Caminho mais um pouco, entro na primeira rua à esquerda, depois na próxima também à esquerda, voltando, dessa forma, por uma rua paralela à Lavandisca.

"Finalmente consigo um táxi e saio definitivamente do local: 'o senhor viu o monte de policiais na rua Lavandisca?' - perguntou o motorista. Na rua Lavandisca'. "...policiais,...não, o que houve?' - respondo. 'Parece que prenderam uns terroristas,... senhor, para onde vamos?'

"'Prenderam terroristas na Lavandisca!? Para a rua da Consolação, por favor, perto da...' Sem que eu soubesse, do outro lado da rua, a repressão assassina, contando com a nefanda ajuda do traidor José da Silva Tavares, havia logrado penetrar na organização e alcançar o nosso comandante, o companheiro Joaquim Câmara Ferreira”.
Nesse momento, segundo o delegado Jocecyr Cuoco, Tavares estava próximo e cobrou de Fleury o cumprimento do acordo firmado entre ambos: 
"Tavares estava encostado a uma parede. Toledo já estava na nossa mão. Ele disse para o Fleury, e eu ouvi muito bem: 'doutor, o nosso combinado está de pé a partir de agora'. Fleury olhou bem nos olhos dele e não disse uma palavra. Tavares falou mais o seguinte: 'cumpri minha obrigação. Não quero te ver na minha frente nunca mais'. Ele disse isso e foi saindo do local, caminhando normalmente pela calçada e desaparecendo entre as pessoas que se aglomeravam. Eu vi e ouvi isso, rigorosamente assim, como estou contando”.
(...) Após isso, Joaquim Câmara Ferreira foi conduzido para o sítio particular que Fleury mantinha arredores de São Paulo como centro particular de tortura. Joaquim Câmara Ferreira sofreu o infarto dentro da viatura policial e chegou ao sítio em condições precárias. Esse fato foi confirmado por Maurício Segall, que, juntamente com Maria de Lourdes (Maria Baixinha) haviam sido presos horas antes, e estavam no mesmo sítio sendo torturados. O motivo das torturas era exatamente saber do paradeiro de Joaquim Câmara Ferreira.
"[Conforme ele] “e aí foram para o ponto e pegaram o Toledo. Ele chegou, e aí eu estava, quando eles voltaram, eles puseram rápido na sala, porque a cama, eles levaram o  Toledo  pra cama porque o Toledo entrou ofegante, já com sinais de ataque do coração. E ele, aí foi um reboliço danado porque (...) eles precisavam entregar ele vivo pro exército, tá certo? Pra tirar dele o que pudesse e dar pro exército.
"Ele morreu. Nesse interregno, foram buscar médico. Levou tempo, eu vi, porque eu estava vendado, mas via por baixo eu vi um cara de calça branca passar e os ruídos de uma pessoa que teve ataque do coração porque eu sabia quais são os ruídos porque meu pai tinha morrido disso, eu tinha visto, eu ouvido. Ele morreu. 

"Aí, deu aquele reboliço todo e nós saímos vivos de lá. Aí eles levantaram acampamento, deixaram eu ir embora. E aí, depois, foram as coisas normais da parada Oban. Passei um tempo lá, a  Maria Baixinha  foi muito torturada, muito mais do que eu, nem tem comparação, porque ela era muito chegada ao  Toledo. Mas sobreviveu. Aí, eu fui parar na solitária do Dops, depois eu fiquei um ano preso em penitenciária e tal, nem foi tanto assim”.
Maurício Segall estava preso na solitária, e, num determinado dia, um agente de segurança o conduziu para o banho. Segundo Segall, ele lhe disse as circunstâncias da morte de Joaquim Câmara Ferreira: 
“Ele disse: 'olha o  Toledo  cumpriu o que disse. O  Toledo  dizia que ele nunca mais seria preso. Ele nunca mais seria torturado porque ele foi muito torturado no Estado Novo, né? E aí ele disse: nunca mais. E cumpriu, porque ele lutou tanto, quando caíram em cima dele no ponto, arrancou naco de carne da perna de tira, na base do dente, que ele teve um ataque cardíaco'".

11.10.10

A DISPUTA É ENTRE O CAMPO PROGRESSISTA E O REACIONÁRIO

O primeiro debate eleitoral de presidenciáveis no 2º turno foi tão melancólico que levei bom tempo até reunir coragem para me defrontar com ele.

Não passou de uma sucessão exasperante de ninharias superdimensionadas, pegadinhas, má fé e má postura.

Foi anedótico, p. ex., José Serra pretender que poucas e desimportantes privatizações sob governos petistas equivaleriam à avalanche de privatizações sob Fernando Henrique Cardoso (nos seus dois mandatos presidenciais e como ministro da Fazenda de Itamar Franco).

Mais inteligente teria sido ele dizer que quem iniciou as privatizações, afinal, foi Fernando Collor (o qual, aliás, é o estranho mais estranho no ninho dos aliados do Governo Lula!).

Também a Dilma não ocorreram as melhores réplicas em vários momentos, como quando Serra comparou os ex-presidentes da República que o apoiam àqueles que a apoiam.

Bastaria ela lembrar que tem o apoio do presidente Lula, mais bem avaliado e querido pelo povo do que os quatro citados juntos.

Quando Serra se diz um homem coerente com seu passado, está pedindo que lhe atirem na cara o fato de que, como ex-presidente da UNE, jamais poderia ter determinado a invasão da Cidade Universitária pela truculenta tropa de choque da PM, revivendo os piores tempos da ditadura militar.

Aliás, no momento em que Dilma sofre acusações tão falaciosas, fico pasmo com a não colocação no ar das chocantes agressões a estudantes e professores paulistas durante o governo de Serra.

OS CACIQUES DA DITADURA E SEU ÍNDIO

Também é totalmente incongruente com seu passado de exilado político o apoio que recebe do DEM, a quarta denominação do partido criado para dar sustentação à ditadura militar:  já se chamou Arena, PDS e PFL, sem nunca conseguir fazer com que esquecêssemos os tempos em que respaldava o mais grotesco arbítrio e as piores atrocidades.

Por conta dessa aliança Serra teve de engolir um sapo descomunal, a escolha de Índio da Costa para seu vice. A retórica do dito cujo parece saída diretamente dos sites ultradireitistas, lembrando o primarismo iletrado  e destrambelhado dos Ustras e Bolsonaros da vida.

Mesmo assim, na batalha dos currículos maquilados por marqueteiros, das promessas vazias e da satanização do adversário, Serra leva ligeira vantagem, por ter mais chão nessa estrada.

Será suficiente para contrabalançar a enorme popularidade do Lula?

A óbvia tendenciosidade da mídia golpista faz temer que um factóide exagerado ao máximo acabe funcionando, depois de tantos que se mostraram inócuos. A Folha  de S. Paulo e a Veja garimpam sofregamente tal factóide.

Então, já passou da hora da campanha de Dilma sair do terreno que favorece ao adversário e focar as diferenças ideológicas.

Chega de ajudar a burguesia a impingir a ilusão de que presidentes são homens providenciais que tudo  podem, decidem, fazem e acontecem.

Há muito tempo o PT deveria estar tratando esta eleição como uma disputa entre o campo progressista e o reacionário, entre um projeto político que contempla alguns interesses populares e outro totalmente subjugado ao capitalismo, inclusive no que ele tem de mais selvagem.

Estava certíssimo Plínio de Arruda Sampaio quando enfatizava estar representando seu partido na eleição. Para a esquerda, isto é o bê-a-bá: seus candidatos não são  capos  mussolinescos, mas expressão de um coletivo. Não é uma disputa de individualidades, e sim de forças políticas, econômicas e sociais.

Então, ao colocar em dúvida o cumprimento das promessas de Serra, deveria Dilma dizer claramente que seu adversário é refém dos interesses mais predatórios e retrógrados, de forma que, quando tiver de optar entre eles e o povo, ficará contra o povo, como ficou contra os universitários que nada mais faziam do que repetir os passos por ele mesmo dados no comecinho da sua jornada.

Só Dilma e o PT poderão resgatar essa campanha da vala comum em que os demotucanos e sua brigada virtual neofascista a estão atirando.

Eles não têm nada de diferente a oferecer, pois a burguesia nada de substancial quer conceder e resistirá com unhas e dentes às tentativas de limitarmos seus lucros escandalosos e impedirmos que continue produzindo  desigualdade social tão aberrante. Então,  os serviçais da burguesia se limitam a desconstruir tudo, na esperança de se tornarem herdeiros de uma terra arrasada.

Se depender dos demotucanos, a política continuará sendo a da entropia, da marcha para a destruição.

Só o PT e as forças de esquerda poderão trazer esperanças para o povo.

Mas, adotando uma postura bem diferente, muito mais para  Lula-lá  do que para  Lulinha paz & amor.

A atual é um salto no escuro, com riscos enormes de redundar em terrível derrota e gravíssimo retrocesso.

10.10.10

ABORTO: NÃO PODEMOS COMPACTUAR COM O OBSCURANTISMO

Embora produza muitas trevas, a Folha de S. Paulo ainda lança luzes sobre um ou outro assunto.

No caso do aborto, p. ex., podemos pinçar informações interessantes na sua edição dominical.

Mais precisamente, estas, no editorial:
"Cerca de 1,1 milhão de abortos clandestinos são feitos anualmente no país. Em condições muitas vezes precaríssimas, constituem a terceira ou quarta causa de mortalidade materna no Brasil. Em 56 países, que representam 40% da população mundial, o aborto é permitido sem restrições até a 12ª semana de gravidez - limite máximo que se poderia admitir.

"Com certeza, políticas públicas de esclarecimento e garantia de acesso a meios anticoncepcionais, como a pílula do dia seguinte, poderiam, se amplas, intensivas e duradouras, prevenir a gravidez indesejada e reduzir de maneira drástica o número de mulheres que se valem, numa situação extrema, do traumático recurso".
"A forma mais comum de aborto se dá com o uso da droga Cytotec. Em tese, sua comercialização é proibida. Na prática, custa em torno de R$ 400 e pode ser comprada pela internet. Estima-se que, de cada dez abortos, sete sejam feitos com Cytotec".
Seria interessante, antes de mais nada, perguntarem às mulheres quais os efeitos colaterais da pílula do dia seguinte e da droga Cytotec.

Já ouvi relatos assustadores sobre a primeira e, evidentemente, a segunda deve causar danos físicos e psicológicos bem maiores.

Também não é difícil de imaginarmos quantos riscos causam essas ingestões de produtos químicos sem acompanhamento médico. Vão na contramão de todas as advertências que as autoridades nos martelam há décadas, de que não devemos nos medicar por conta própria.

Gaspari desdenha a velha agulha de tricô, mas eu apostaria que sua estimativa passa longe da realidade: uma droga que custa R$ 400 dificilmente será a principal opção para as mulheres que decidem abortar por sua conta e risco, num país em que a maioria da população continua bem pobre.

No fundo, só há duas certezas neste assunto:
  • a de que não se consegue provar cientificamente que o aborto até a 12ª semana de gestação seja um crime;
  • a de que as mulheres continuarão abortando a despeito de quaisquer proibições.
A convicção dos opositores do aborto é de origem religiosa. São também contrários aos anticoncepcionais e preservativos, porque Deus é quem decide se devemos crescer e nos multiplicar num planeta em que a natalidade desenfreada levará à destruição da vida.

É isto mesmo: enquanto não conseguirmos alcançar o tal desenvolvimento sustentável -- e as alterações climáticas estão aí para nos mostrar quão distantes dele nos encontramos --, o crescimento descontrolado da população só fará aumentarem os riscos de extinção da espécie humana.

O tal  direito à vida  dos carolas mais me parece  flerte com a morte.

Então, lamento profundamente que o tema esteja sendo tratado de forma tão leviana e oportunista no momento decisivo da campanha presidencial.

Até por seu passado de militantes que enfrentaram o obscurantismo, Dilma Rousseff e José Serra sabem muito bem a magnitude do desserviço que prestam ao povo brasileiro cedendo à chantagem fundamentalista.

Vale para o Brasil o mesmo que os mais lúcidos afirmam sobre o Irã: estado teocrático no século 21 não passa de uma excrescência ridícula.

Então, senhores, é inaceitável que ambos estejam admitindo essa imposição de interdições religiosas à totalidade dos brasileiros apenas porque creem que pagar tal mico aumente suas chances de vitória nesta eleição.

Quando se começa a descer a ladeira, o impulso leva cada vez mais para baixo. E se os marqueteiros se tocarem de que apoiar a pena de morte e a tortura de traficantes também renderia muitos votos?

Retrocessos históricos têm sempre consequências catastróficas. No fundo, o que esses fanáticos religiosos almejam é  cancelar  a renascença, o iluminismo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem avanços científicos marcantes dos últimos séculos, etc., devolvendo-nos às trevas medievais. Não conseguirão, mas podem provocar terríveis estragos tentando.

Os Antônios Conselheiros invariavelmente deixam um legado de destruição; o sertão vira mar... de sangue.

Aqueles a quem os deuses querem perder, primeiramente enlouquecem.

8.10.10

'FOLHA' PRESSIONA STM: VALE TUDO PARA DIFAMAR DILMA

Com o editorial Sigiloso tribunal militar, a Folha de S. Paulo intensifica as pressões para que o STM lhe permita devassar o processo a que a presidenciável Dilma Rousseff respondeu durante a ditadura militar. [ver também meu artigo "Folha" trava batalha jurídica para obter munição contra Dilma]

Segundo o jornal, "mesmo que tais documentos se prestassem a 'uso político', isso seria legítimo numa democracia". Editorialistas antigamente eram demitidos por afirmações menos aberrrantes...

Em nenhum momento a Folha toca no ponto que venho levantando desde 2008, quando do episódio algoz e vítima: o que esse processo contém é a versão unilateral de usurpadores do poder e terroristas de estado acerca dos que resistiam à sua tirania.

Como a tortura era generalizada e bestial, os militantes presos reservavam suas forças para evitar fornecer informações que levassem à localização de outros companheiros, da rede logística e de planos importantes.

Seria insensatez aguentar pau-de-arara, choques e espancamentos para negar que tal ou qual companheiro participara de determinada ação; a regra não escrita era confirmarmos o que os torturadores já sabiam e o que eles acreditavam ser verdade, pois, afinal, nenhum de nós estava preocupado com enquadramentos penais naquele momento.

Sabíamos que as farsas encenadas nas auditorias militares serviam apenas para dar aparência de legalidade à fixação das penas que os serviços de Inteligência das Forças Armadas previamente estipulavam. Então, de que nos adiantaria aclarar o quadro?

Os sites e correntes de e-mails da extrema-direita, evidentemente municiados por torturadores do passado como Brilhante Ustra, divulgam incessantemente esses  sambas do crioulo doido.

Sou apontado como jurado de um tribunal revolucionário que nem sei se ocorreu, como autor de um comunicado fantasioso e outras sandices.

E, mesmo sem saber quais os participantes de cada ação (era informação restrita apenas a quem precisava mesmo saber), eu conhecia muito bem a sistemática operacional e posso afirmar categoricamente que, em quase todos os relatos que a extrema-direita difunde sobre sequestros de diplomatas, expropriações de bancos, etc., são apontados muito mais autores do que os nelas efetivamente envolvidos.

Então, o que o STM está até agora negando à Folha não são informações fidedignas, mas sim disparatadas ou desconexas.

Mas, como o eleitorado brasileiro ignora tais detalhes, tenderia a tomar como verdadeiras as acusações que os serviçais da ditadura fizeram a Dilma Rousseff, sejam lá quais forem.

É uma pena que os petistas nos altos escalões governamentais não tenham se preocupado com isto em tempos mais amenos.

Cheguei a interpelar o secretário especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, exatamente sobre tal assunto, recebendo a resposta de que as prioridades imediatas eram outras e isto poderia esperar.

Ou seja, não havia pressa em impedir que os fascistas continuassem nos caluniando impunemente.

Enfim, o que se vê agora é o resultado de um grave erro daqueles que tinham o dever de zelar para que heróis e mártires deste país não fossem vilmente denegridos.

Quanto à repulsiva tendenciosidade da mídia golpista, nada mais é do que aquilo que dela já esperávamos. Não surpreende nem um pouco.

6.10.10

"FOLHA" TRAVA BATALHA JURÍDICA PARA OBTER MUNIÇÃO CONTRA DILMA

Um pedido de vista interrompeu nesta 3ª feira (05/10) o julgamento do mandado de segurança com que a Folha de S. Paulo tenta obter acesso ao antigo processo de Dilma Rousseff na Justiça Militar. O placar estava empatado em 2 x 2, com nove ministros ainda por votarem.

Quem acompanha a atuação do jornal da  ditabranda, está careca de saber que seu único objetivo é desencavar alguma informação bombástica que possa ser usada pela campanha de José Serra.

O recurso foi protocolado pela Folha no Superior Tribunal Militar depois de a revista Época ter informado que o processo relativo a Dilma, dos idos da ditadura militar, estava indisponível para a imprensa durante o período eleitoral.

A advogada da Folha deixou claro o objetivo da querela jurídica, primeiramente no recurso, ao alegar que os leitores precisavam ter conhecimento do passado de Dilma.

Interrompido o julgamento, ela  entregou o ouro  de vez:
"Tenho a confiança que o tribunal irá proferir a decisão em tempo hábil de informar o cidadão, ou seja, antes do segundo turno das eleições".
O relator Marcos Martins Torres, que não é bobo nem nada, questionou as intenções da Folha:
"Talvez [o objetivo] não seja propriamente o de informar, mas possivelmente o de criar um fato político às vésperas das eleições".
Vale destacar, entretanto, que nada disto estaria acontecendo se os petistas situados nos altos escalões governamentais não tivessem ignorado olimpicamente as advertências que fiz em março/2008, quando desmontei denúncias de Elio Gaspari contra antigos resistentes, lastreadas nas informações absolutamente inconfiáveis dos processos da ditadura.

Afirmei que esse esse entulho autoritário estava merecidamente jogado na lata de lixo da História, não servindo para respaldar acusação nenhuma contra ninguém que combateu o arbítrio instaurado em 1964.

Como a extrema-direita utiliza incessantemente esse lixo ensanguentado para disparar acusações as mais falaciosas contra grandes brasileiros, eu conclamei as autoridades a estabelecerem, de uma vez por todas, que tais processos foram condenados pela História e não podem ser citados como fonte para denegrir os mortos e os sobreviventes daquelas carnificinas.

PREÇO DA OMISSÃO

Falei com paredes. E, por conta de sua omissão de dois anos e meio atrás, os grãos senhores do PT são agora obrigados a mover céus e terras para evitar que a Folha faça com Dilma o que os sites e correntes de e-mails da extrema-direita fazem conosco (os veteranos da resistência não presidenciáveis), impunemente, há anos e anos.

Abaixo, relembro minhas principais alegações à época:
"Um regime de exceção utilizou práticas hediondas para investigar a ação dos resistentes que a ele se opunham e os inquéritos assim produzidos serviram para condenar patriotas, heróis e mártires em tribunais militares, com oficiais das Forças Armadas fazendo as vezes de jurados, o que atropelava flagrantemente o direito de defesa.

"O quadro era tão kafkiano que, num julgamento em que fui réu, o advogado de ofício designado para um companheiro apresentou-se completamente embriagado e começou sua peroração não falando coisa com coisa. O juiz auditor o expulsou da sala e mandou que outro advogado de ofício improvisasse a defesa, imediatamente, mal tendo tempo para ler os autos. O julgamento prosseguiu.

"A Lei da Anistia de 1979 sustou os efeitos concretos desses julgamentos e as ações seguintes do Estado brasileiro, como a constituição das comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos, evidenciaram que os antes tidos como criminosos passaram a ser considerados, oficialmente, vítimas.

"Enfim, os IPMs foram, tão-somente, a versão que um inimigo apresentava do outro, para dar aparência de legalidade ao que não passava de arbitrariedade, sem compromisso nenhum com a verdade e a justiça.

"... para aqueles militares, a verdade não existia em si. Só lhes interessava a verdade operacional, as versões mais adequadas a seus objetivos na guerra psicológica que travavam.

"...é mais do que tempo da imprensa se compenetrar que, sem uma sentença lavrada por um tribunal na vigência plena do estado de direito, ninguém pode ser apontado taxativamente nos textos jornalísticos como 'terrorista' ou autor de tais ou quais crimes com motivação política.

"Os repórteres, comentaristas, articulistas e editorialistas que agirem de outra forma, estarão coonestando a prática de torturas e os julgamentos realizados por tribunais de exceção".
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