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26.11.10

O DRAMA DO RJ NUMA VISÃO MARXISTA

Canso de repetir: a criminalidade é intrínseca ao capitalismo.

Porque as molas mestras do capitalismo são a ganância, a busca do privilégio e da diferenciação, e o consumismo.

Ter cada vez mais posses e recursos materiais.

Competir zoologicamente com os semelhantes, no afã de se colocar em situação superior à deles.

Mitigar todas as suas insatisfações adquirindo e desfrutando coisas.

E se relacionando com os outros seres humanos como se eles fossem também coisas a serem desfrutadas; coisificando-os, enfim.

Com isto, nunca é preenchido por completo o vazio da irrealização, sempre falta algo e sempre o que falta é mais importante do que o já conquistado. O homem moderno é um Cidadão Kane que nunca encontra o  rosebud.

Pois os seres humanos só se realizam plenamente na coexistência cooperativa, solidária, harmoniosa e amorosa com outros seres humanos.

O capitalismo é um sistema perverso, que se alimenta do desequilíbrio e da desarmonia.

Que não garante a todos o necessário para todos, embora meios haja para tanto.

Que gera sempre, como uma secreção, seu exército industrial de reserva, seus excluídos, seus miseráveis.

Eles são o resultado da mais-valia, que continua firme, forte e toda poderosa.

Apenas sofisticou-se, ocultando-se atrás dos hologramas projetados pela indústria cultural; o grande truque do diabo é fingir que não existe.

A mais valia continua dividindo a humanidade em exploradores e explorados.

Continua estabelecendo graduações entre os explorados, de forma que eles mirem apenas o degrau superior e não a sociedade sem graduações nem classes; que nunca vejam a floresta por trás das primeiras árvores.

O dado novo é que alguns dos que estavam bem embaixo perceberam a inutilidade de tentarem realizar seus sonhos consumistas subindo a escada, degrau por degrau.

Descobriram atalhos para passar ao lado dos degraus e chegar logo ao topo.

Ironia da História: o capitalismo passou à fase das corporações, da liderança compartilhada, tornando quase impossível que grandes empreendedores ergam impérios do nada (Bill Gates é uma exceção que confirma a regra), mas a criminalidade forneceu uma válvula de escape para tais indivíduos.

Pablo Escobar foi o Henry Ford dos novos tempos. E outros não conhecemos porque os néo-Escobares perceberam que não lhes convinha alardear seu poderio.

Mas, a brecha que existiu era provisória e começa a ser fechada: também nesta modalidade de negócios o capitalismo selvagem está sendo substituído por práticas criminosas mais eficientes, com melhor relação custo-benefício.

Vale reproduzir a ótima avaliação de Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2003) e ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do RJ (1999/2000), no seu artigo A crise no Rio e o pastiche midiático:
"O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção.

"Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios – as bandas podres das polícias - prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.

"Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção?
"O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias [a civil e a PM] impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável".
No fundo, os traficantes dos morros sempre foram complementares ao capitalismo e dele indissociáveis, fornecendo aquilo de que muitos explorados necessitam para continuar suportando sua existência insatisfatória.

Mas, o seu  modelo de gestão  caducou e outros  empreendedores, que já eram seus sócios, estão prontos a substitui-los com mais discrição e eficiência empresarial: os policiais-bandidos.

Desesperados por perceberem que perdiam terreno dia a dia, partiram para um desafio insensato, atingindo um dos valores mais sagrados da classe média: o automóvel.

Foi o suficiente para desencadear uma bestial demonstração de força do Estado, com seu poder de fogo infinitamente superior.

Morreram muitos inocentes no fogo cruzado, o cidadão comum sofreu prejuízos e enfrentou transtornos, a indústria cultural faturou em cima das manchetes empolgantes, traficantes foram presos ou mortos -- e a única certeza é de que empresários mais aptos herdarão os negócios dos que estão sendo excluídos do mercado.

De quebra, a mentalidade policialesca ganha reforço e penetra mais fundo na cabeça dos videotas: a repressão é o que nos salva de termos nossos carros queimados!

E dá-lhe mais repressão, mais tropas de elite! A fascistização da sociedade vai avançando imperceptivelmente, naturalmente.

Antes, gatos escaldados por 1964, os mais sensatos queriam as Forças Armadas longe das questões sociais, defendendo apenas o Brasil dos seus inimigos externos.

Agora, já se aplaudem os blindados da Marinha subindo o morro.

Como tantos aplaudiram a defesa da tortura e das truculências policiais num filmeco repulsivo.

De toda essa tempestade de som e fúria, o que restará?

O Estado venceu, como era de se prever, a  Batalha do Rio de Janeiro.

Que só não foi de Itararé porque houve mortos e feridos. Mas, não decidiu guerra nenhuma.

Decidiria se os traficantes vencessem. Mas, eles nunca venceriam. Nem aqui, nem na Colômbia que os pariu. Pelo contrário, para eles significou o canto do cisne.

O Estado não quer, verdadeiramente, acabar com o tráfico. Consentirá que, aos poucos, reassuma a antiga magnitude, sob nova direção e com outra metodologia operacional.

Só teremos solução real quando: 
  • identificarmos o capitalismo como o verdadeiro inimigo, oculto por trás dos espantalhos que ele, em cada instante, tenta fazer crer que sejam responsáveis por todos os males. Escobar, Castro, Bin-Laden, Saddam, Chávez, Ahmadenijad, há sempre um na berlinda, sem que nada melhore quando sai de cena, pois a indústria cultural imediatamente o substitui por outro, para que as ilusões e a alienação sejam mantidas;
  • e, consequentemente, quando nos mobilizarmos para dar um fim ao capitalismo, antes que -- condenado pela História e cada vez mais devastador em sua agonia -- seja ele a nos levar juntos para a destruição, ao aniquilar as bases naturais que sustentam a vida humana no planeta.

20.11.10

"FOLHA" FORÇA A BARRA PARA ENVOLVER DILMA COM AÇÕES ARMADAS

Bem que, há quatro dias, eu antecipei: depois de tanto haver lutado para obter o processo a que Dilma Rousseff respondeu durante o regime militar em tempo de produzir algum factóide capaz de influir na eleição presidencial, a Folha de S. Paulo seria agora "obrigada a soltar alguma reportagem" baseada no entulho ditatorial que tardiamente desencavou.

A matéria Dilma tinha código de acesso a arsenal usado por guerrilha, da edição deste sábado (20), confirma tal previsão e também a que fiz em seguida:
"Pela qualidade atual do jornalismo da Folha, canto a bola desde já: vai ser imensamente inferior à da Época".
Ou seja, a revista Época publicou em agosto uma matéria de capa sobre Dilma que, se não foi perfeita, pelo menos tentou manter tanto equilíbrio e isenção quanto são possíveis em nossa grande imprensa.

Os questionamentos dos partidários de Dilma foram muito mais quanto ao momento escolhido para se dar tamanho destaque a seu passado de resistente e presa política, do que à forma como ele foi abordado.

Bem diferente da Folha, que produziu texto tão malicioso quanto aquele com o qual tentou vincular Dilma a um mirabolante plano de sequestro, nem sequer tentado; ou quanto o ridículo e rapidamente desmoralizado artigo de um seu colunista, tomando ao pé da letra uma piada de mau gosto do Lula sobre estupro.

Desta vez, o jornal intriguento força a barra para dar a impressão de que Dilma estava envolvida com as ações armadas da VAR-Palmares, embora as informações que encontrou no inquérito sem a mais remota credibilidade dos órgãos repressivos da ditadura só permitam depreender que ela era a militante a quem caberia cuidar da transferência do arsenal da Organização para outro local caso fossem presos os companheiros incumbidos das operações militares.

Enfim, o que o jornal quis foi martelar na cabeça dos leitores uma mensagem subliminar: a de que Dilma pertencia a uma organização  da pesada, que enfrentava policiais com metralhadoras e bombas caseiras.

Para despistar, faz alusões às torturas contra resistentes, mas elas não chocam tanto, já até hoje continuam sendo largamente utilizadas contra suspeitos de ocorrências policiais.

Ficou faltando, claro, a caracterização do inimigo combatido pela VAR-Palmares como a mais bestial ditadura que o Brasil já conheceu, responsável não só por sevícias as mais violentas e degradantes, como também por centenas de assassinatos (incluindo a execução a sangue frio de prisioneiros que deveriam estar sob a proteção do Estado), estupros, ocultação de cadáveres e outras abominações.

Sem tal contextualização, o que prevalece e transparece é a visão dos esbirros da ditadura sobre aqueles que os combatiam, pois a isto se resumiam os Inquéritos Policiais Militares do regime de exceção: peças de propaganda enganosa concebidas para causar impacto na opinião pública, seguindo a orientação dos serviços de guerra psicológica das Forças Armadas.

Que podemos dizer, p. ex., de quem, quando eu tinha 18 anos, espalhou cartazes no Brasil inteiro, com meu nome e minha foto, acusando-me falsamente de haver assaltado e matado pais de família?!

Rodoviárias, estações ferroviárias, aeroportos, correios e outras repartições, e até restaurantes exibiam tal acusação, cujos autores sabiam muito bem ser falaciosa: minhas funções eram organizativas e, quando enfim me processaram e condenaram, não me imputaram nada desse gênero.

A verdade e a verossimilhança eram o que menos importava nesses papeluchos ensanguentados -- síntese deturpada e tendenciosa do que os prisioneiros confessavam ou inventavam sob brutais torturas.

Tratando-se do jornal da  ditabranda  - que, nos anos de chumbo, cedia suas viaturas para a captura de resistentes e outros serviços sujos da repressão política -- faz todo sentido que  a Folha esteja até hoje trombeteando a versão dos déspotas.

É apenas uma nova forma de tentar justificar seu passado vergonhoso: ora afirma que a ditadura era amena, ora carrega nas tintas para que os resistentes fiquemos parecendo muito mais violentos do que éramos.

E, aliás, tínhamos todo direito de ser, já que enfrentávamos uma tirania -- a de usurpadores do poder que recorriam ilimitadamente ao terrorismo de estado para manter subjugado o povo brasileiro.

17.11.10

"FOLHA" TROMBETEIA FIASCO COMO SE FOSSE PROEZA

Em 2009 a "Folha" tentou envolver Dilma num sequestro que não houve, além de usar como ilustração uma ficha falsa que encontrou na web.

Simancol é o que mais falta para o jornal da  ditabranda: mancheteia triunfalmente a obtenção do que queria usar durante a campanha eleitoral e agora não lhe servirá de quase nada.

Foi garimpar, só encontrou ouro de tolo e ainda tenta apresentá-lo como uma "vitória da sociedade". Me engana que eu gosto.

Finda a eleição presidencial, o Superior Tribunal Militar, como Deus e o mundo sabiam que faria, liberou para a Folha de S. Paulo o processo a que Dilma Rousseff respondeu durante a última ditadura, quando foi presa como dirigente da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares e barbaramente torturada.

A decisão foi tomada nesta 3ª feira (16/11), por 10 votos a 1.

Ou seja, nada mais houve do que o cumprimento integral da determinação do presidente do STM, Carlos Alberto Soares: evitar que desse processo falacioso e arbitrário, sem valor jurídico nenhum, fosse extraída munição propagandística contra a candidata em campanha.

Pois só os bem informados sabem serem totalmente inconfiáveis as conclusões dos Inquéritos Policiais Militares da ditadura, contaminados pela prática generalizada da tortura, bem como as sentenças dos julgamentos de cartas marcadas que eram encenados em auditorias militares, com gritante cerceamento do direito de defesa.

Para a maioria da população, poderia passar por verdade o que nada mais era do que a versão forjada pelos déspotas a respeito dos resistentes que, heroicamente, os combatiam. Daí a inconveniência de tal assunto ser escarafunchado em meio ao tiroteio eleitoral.

Após o pleito, com ou sem a ação da Folha, os documentos seriam mesmo liberados.

Não adiantou o jornal espernear no STM e até no STF: não conseguiu acesso em tempo hábil e ficou impossibilitado de produzir algum factóide eleitoeiro.

Da próxima vez, que vá atrás das informações no momento certo e seguindo suas próprias pistas, ao invés de correr atrás das revelações alheias -- no caso, a matéria de capa da revista Época sobre Dilma, que foi de onde a Folha tirou a informação de que o processo da VAR-Palmares estava temporariamente indisponível.

Agora, para justificar a  batalha de Itararé  que fingiu estar travando, será obrigada a soltar alguma reportagem baseada no processo de Dilma.

Pela qualidade atual do jornalismo da Folha, canto a bola desde já: vai ser imensamente inferior à da Época.

Mas ninguém se surpreenderá, pois vexame é prato de todo dia na espelunca da alameda Barão de Limeira...

Para quem quiser conhecer os detalhes desta comédia de erros (mais uma!), eis o passo a passo:
E vale a pena ler de novo outro tiro pela culatra da Folha contra Dilma, em abril/2009, quando o jornal saiu com a credibilidade em frangalhos:

13.11.10

PARTIDOS DE ALUGUEL OU DE BORDEL?

Fiquei preguiçoso com a idade: quando encontro um artigo de colega que diz tudo o que há para se dizer a respeito de algum assunto, tenho optado por simplesmente o reproduzir, ao invés de quebrar a cabeça para escrever a mesma coisa de outra forma.

É o caso de Aluguel de partidos, do colunista Fernando de Barros e Silva, um dos poucos profissionais que se mantêm verdadeiros jornalistas na Folha de S. Paulo.

Eis os principais trechos:
"... (designamos com) a expressão 'partido de aluguel' (...) certas legendas nanicas. Mas como chamar um partido que apoia o governo Lula (ou Dilma) na esfera federal e ao mesmo  tempo dá seu apoio ao governo Serra (ou Alckmin) em São Paulo? Partido anfíbio? Partido oportunista? Partido Macunaíma? Partido ao meio?

Não estou me referindo apenas ao PMDB, verdadeiro partido de artistas, capaz de abocanhar a vice-presidência do governo Dilma, segurar com uma mão no governo Alckmin e com a outra fazer acenos para atrair Gilberto Kassab do DEM.

Pense no PSB, no PDT e no PV, três partidos que têm alguma pretensão de ser levados a sério ou possuir identidade programática. Na prática, pertencem à base do governo petista na esfera federal e à base do governo tucano em SP.

É curioso o caso do PSB. O partido cresceu, elegeu ou reelegeu seis governadores (...). Mas o PSB, em São Paulo, serviu de barriga de aluguel para a candidatura quixotesca de Paulo Skaf, o empresário que liderou o 'Xô, CPMF!', que os governadores do partido agora querem de volta. Afinal, que apito toca o PSB?

...(em) São Paulo (...) os governos tucanos mandam e desmandam na Assembleia Legislativa usando os mesmos métodos de aliciamento do governo federal.

...Alckmin agora está empenhado em promover um arrastão nas legendas que também parasitam Lula/Dilma (o PR, o PRB e o PP, além das citadas). Quase todos estão na política para isso mesmo: fazer negócios. E todos querem ser do único partido que de fato importa - o partido do poder".
 A REFLEXÃO QUE SE IMPÕE

O quadro que ele pinta com cores vivas, tão repugnante quanto rigorosamente exato, enseja uma reflexão, que eu recomendo seja feita pela companheira presidente Dilma Rousseff.

Para simplesmente obter sustentação para governar, a utilização (e pagamento) dos préstimos dessa escória política e moral é suficiente.

Mas, para devolver ao povo a esperança de que o Brasil possa ser mudado -- e de que ele, povo, possa ser o agente dessa mudança --, não. Aí será preciso bem mais.

Em abril de 1989, fui dos primeiros a entrevistar o candidato a presidente Fernando Collor, para a Agência Estado. Surpreendentemente, ele se alçara ao 2º lugar das pesquisas de intenção de voto, mas o meio jornalístico ainda o avaliava como mero fogo de palha.

Eu pressenti que ele poderia vencer. E, como Collor se apresentava como alternativa (caçador de marajás) à politicalha imunda, perguntei-lhe como faria para governar, tendo o Legislativo majoritariamente contra.

Respondeu que, com a autoridade de primeiro presidente eleito pelo povo em quase três décadas, ele convocaria as massas para pressionar o Congresso Nacional.

Palavras ao vento, claro -- afinal, ele próprio não passava de criatura do sistema que dizia combater. A única diferença era provir da periferia desse sistema, e não do seu centro.

Mas, para quem quiser mesmo ser uma alternativa à putrefata  política oficial, talvez seja este o caminho das pedras.

Não, não estou falando nas célebres  ameaças à democracia, o espantalho que a direita tanto gosta de erguer quando ela própria conspira para golpear as instituições democráticas.

Mas, em barganhar menos, ceder menos -- e usar mais a autoridade moral e o apoio das massas.

Seria um começo. E, dizem, Dilma é suficientemente dotada de brios para assumir uma postura destas.

Enfim, espero que ela leia o ótimo artigo de Barros e Silva e reflita sobre se, depois de ter lutado tanto, vale a pena tornar-se apenas a rainha do pântano nele tão expressivamente retratado.

11.11.10

O DIREITO AO TRABALHO ESTÁ SENDO CERCEADO

Eu acuso o Estado brasileiro de estar desrespeitando a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a sua própria Constituição, ao admitir que o advogado Fernando Claro Dias e tantos outros em situação semelhante sejam impedidos de exercer a advocacia em função de estarem inadimplentes com a Ordem dos Advogados do Brasil. [conheça mais detalhes do caso específico de FCD clicando aqui.]

Tal entidade fiscaliza o exercício de um ofício cujos profissionais, por incompetência ou improbidade, podem causar danos irreparáveis aos cidadãos que a eles recorrem.

Deixar de pagar as mensalidades devidas à Ordem não é motivo suficiente para que se retire do advogado o direito de advogar. A OAB pode fazê-lo quando o contratante dos serviços do advogado houver sido prejudicado por inépcia ou má fé, não quando ela própria for financeiramente prejudicada.

Sou um cidadão brasileiro me manifestando em nome do espírito de justiça que deve nortear sempre as ações dos homens dignos. 

Não sou jurista. Mas, ouso dizer que os juristas coniventes com tal aberração, que a aprovam ou que a justificam com interpretações tortuosas da letra da Lei, não estão sendo, eles próprios, justos.

Sobre tais contorcionismos jurídicos prevalecem os pilares da civilização e do Estado brasileiro:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

Artigo XXX

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Dos princípios fundamentais

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer [grifo meu].

9.11.10

O WATERLOO DO PATRULHAMENTO CRICRI

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O bizarro episódio em que uma integrante do Conselho Nacional de Educação afirmou existir racismo na obra de Monteiro Lobato, não se esgota na rejeição do seu parecer por parte do ministro Fernando Haddad. É hora de nos defrontarmos com o monstro, e não apenas com a mais chocante de suas monstruosidades.

O que havia para se dizer sobre o  politicamente correto, Karl Marx já disse, em 1845, nas Teses sobre Feuerbach:
"A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, de que seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das quais fica elevada acima da sociedade.

A coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida como praxis revolucionária." (3ª tese)

"Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo." (11ª tese)
Ou seja, os educadores que se arrogam o direito de decidir o que crianças (ou a sociedade como um todo) podem ou não ler, e com que ressalvas lhes devem ser apresentadas tais leituras, têm, eles próprios, de ser educados.

As mudanças das circunstâncias e da atividade humana só se dão por meio da prática revolucionária, não de uma educação mudada (ou expurgada, censurada, castrada, mutilada, maquilada, engessada, etc.).

Pois não basta a adoção de outras palavras para eliminar-se a carga de preconceitos com que as pessoas as impregnaram, nem fazer triagem de obras artísticas para extirparem-se os comportamentos condenáveis nela retratados.

Somente livrando a humanidade do pesadelo capitalista conseguiremos dar um fim a todas as formas de discriminação, pois uma das molas-mestras da sociedade atual é exatamente a busca da diferenciação, do privilégio, do status, da superioridade.

Enquanto os seres humanos forem compelidos a lutarem com todas as suas forças para se colocarem acima de outros seres humanos, será ilusório pretendermos tangê-los ao respeito mútuo por meio de besteirinhas cosméticas.

É desprezando os iguais que eles adquirem forças para a luta insana que travam, pisando até no pescoço da mãe para alçarem-se a outro patamar da hierarquia social.

Então, a verdadeira tarefa continua sendo a transformação do mundo, para que não haja mais hierarquia e sim a priorização do bem comum, com todos contribuindo no limite de suas possibilidades para que sejam atendidas as necessidades de todos.

Enquanto nos iludirmos com esses pequenos retoques na fachada do edifício capitalista, estaremos perdendo tempo: seus alicerces estão podres, para além de qualquer restauração.

Ou o demolimos e tratamos de erguer novo edifício em bases sólidas, ou ele ruirá sobre nós.

5.11.10

FRANÇA: SERRA SOLTA OS CACHORROS E OUVE UM "POR QUE NÃO TE CALAS?!"

Até quando, ó Serra, vais abusar da nossa paciência?!

Cinco dias depois da derrota na eleição presidencial, José Serra continua com a cabeça quente: fez declarações destrambelhadas e rancorosas em Biarritz, sul da França, acabando por receber um merecido "por que não te calas?" de um representante da Fundação Zapata, do México.

O tema do encontro eram as relações entre a América Latina e a União Européia, mas Serra passou longe dele. Preferiu ocupar seu tempo com furibundas diátríbes contra o Governo do seu país, lavando roupa suja em casa alheia:
  • acusou o presidente Lula de desindustrializar o País;
  • disse que ele adota um "populismo de direita" na economia e não tem modelo econômico definido;
  • criticou os investimentos do Governo Federal e a alta carga tributária;
  • vituperou o sistema de orçamento participativo, em que o contribuinte decide sobre a destinação de parte dos impostos.
Chegou ao cúmulo de se queixar de que não pôde expor suas idéias como gostaria durante a campanha eleitoral, supostamente porque haveria um estado policial o tolhendo: 
"A democracia não é apenas ganhar as eleições, é governar democraticamente".
O que faltou à nossa democracia? Providenciar uma barragem de guarda-chuvas para protegê-lo das bolinhas de papel?

Continuando a abordar assuntos políticos que nada tinham a ver com a pauta econômica do evento, ele estava soltando os cachorros contra a política externa brasileira, por se "unir a ditaduras como o Irã", quando foi interrompido com a mesma frase proferida pelo rei espanhol Juan Carlos contra o presidente venezuelano Hugo Chávez: 
"Por que não te calas?!".

MINISTRO DA EDUCAÇÃO RECUSA O "PARECER TORQUEMADA"

Quando o historiador Marco Antonio Villa acusou o "lulismo" de perseguir Monteiro Lobato, eu retruquei: "o insignificante Conselho Nacional de (Des)Educação" apenas elaborara outro de seus "pareceres desnecessários e tolos", que não respaldava nem de longe tal generalização, pois apenas se constituiu num "exemplo da crassa ignorância de funcionários subalternos, incumbidos de tarefas além de suas qualificações".

O ministro Da Educação, Fernando Haddad, concordou, dando ao parecer o único destino cabível: a lixeira.

Para salvar as aparências, pediu ao CNE que elabore outro -- o qual, claro, não trará nenhuma recomendação obscurantista.

Quanto à conselheira Nilma Lino Gomes, que conseguiu seus cinco minutinhos de fama como uma  dona Solange  extemporânea, recomendo que compare o enfoque dado ao personagem Tia Nastácia com a forma como as domésticas negras eram verdadeiramente tratadas na época.

Lobato, longe de fazer dela uma caricatura racista, a coloca como integrante querida da família, com seus conhecimentos adquiridos na escola da vida, sua bondade e sua simpatia cativante.

Os pêlos em ovo que pretextaram tal parecer (frases soltas) apenas dão uma idéia de como o negro era vítima de preconceitos: a boneca Emília, por birra, repetia grosserias em voga.

A sábia Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, o Visconde de Sabugosa, ninguém a apoiava, todos demonstravam respeito e consideração pela Tia Nastácia. 

Isto, sim, diferia do usual na sociedade brasileira da primeira metade do século passado. Ótimo seria se os racistas estivessem em posição minoritária. Não estavam, muito pelo contrário.

Ao estabelecer tal contraste, Lobato apontava qual a postura correta e qual a errada. Estava combatendo o racismo, não o endossando.

Isto, diria Nelson Rodrigues, é o óbvio ululante. A ficha cairia para qualquer pessoa que se desse ao trabalho de ler alguns livros da série do Sítio do Picapau Amarelo antes de emitir pareceres ridículos.

O que não foi o caso da tal conselheira. Ela comeu na mão de um desses Torquemadas do politicamente correto e se deu muito mal.

Resumo da opereta: o CNE tem conselheiros que não conseguem sequer se posicionar com um mínimo de competência sobre a literatura infanto-juvenil. Deveriam perguntar a seus filhos.

4.11.10

O DIA DE FÚRIA DE UM PROFESSOR

Villa por Villa, eu fico com o lendário
Pancho, herói da Revolução Mexicana...


Hilário o artigo do historiador Marco Antonio Villa, que a Folha de S. Paulo -- sempre ela! -- publicou: 44% estão na oposição.

Furibundo com o resultado eleitoral, ele começa ignorando a matemática, com esta afirmação "44% do eleitorado disse não a Dilma".

Ora, se os eleitores eram 135.804.433, dos quais 43.711.388 teclaram 45 no 2º turno, bastaria uma simples regrinha de três para o professor constatar que foram apenas 32,2% os que votaram contra Dilma Rousseff.

O douto acadêmico estava com a cabeça tão quente que esqueceu-se  dos votos em branco, dos nulos e das abstenções.

E de onde ele tirou essa conclusão de que os 43,9% de  votos válidos  favoráveis a Serra são  oposicionistas?

Os eleitores não poderiam estar apenas convencidos da superioridade do tucano como administrador, que sua propaganda cansou de trombetear?

E não existirão paulistas que gostaram de seu governo?

[Há alguns, sim. Dentre eles, evidentemente, não estão os professores e estudantes universitários, insatisfeitos com a condição de sacos de pancadas da PM. Mas, nem Cristo conseguiu agradar a todos....]

E não podemos esquecer os velhinhos agradecidos a Serra pelos genéricos.

Enfim, colocar todos no saco de  oposicionistas  é uma forçação de barra indigna de um mestre. E o exemplo edificante para os pupilos, onde é que fica?

Depois de ignorar a matemática e o bom senso, Villa ignorou também a isenção e o equilíbrio, ao tentar dar uma injeção de moral nos demotucanos ainda grogues do nocaute de domingo:
"...ter chegado ao segundo turno foi uma vitória [para a oposição]. No último mês deu mostras de combatividade, de disposição de enfrentar um governo que usou e abusou como nunca da máquina estatal".
Ou seja, embora a oposição, pelo seu lado, tenha usado e abusado das manipulações da mídia golpista, determinante mesmo foi a máquina estatal. Brilhante.

Como se o jogo não tivesse ido para a prorrogação apenas porque o PIG transformou o aborto no principal assunto da campanha às  vésperas do 1º turno, ao mesmo tempo em que levantava descaradamente a bola de Marina Silva!

Bem que tentou repetir a dose no 2º turno, mas não conseguiu fazer com que o eleitorado acreditasse na metamorfose de bolinha de papel em meteoro.

E ainda houve jornalão dando capa para a inqualificável intromissão do Papa Bento XVI nos assuntos internos brasileiros, três dias antes da votação, mas esse trunfo chegou muito tarde e a Igreja Católica não tem mais a influência que tinha em 1964, quando mobilizou a classe média conservadora para apoiar a quartelada.
Villa ignorou, ainda, a compostura, atacando os vencedores da forma mais deselegante e destrambelhada:
"O lulismo tem pilares de barro. É frágil. Não tem ideologia. Não passa de uma aliança conservadora das velhas oligarquias, de ocupantes de milhares de cargos de confiança, da máfia sindical e do grande capital parasitário".
Substitua-se "máfia sindical" por "viúvas da ditadura" e a frase cairá como uma luva para a aliança demotucana. Ou os governos estaduais e municipais que eles pilotam não têm velhos oligarcas, grandes capitalistas e a turma das  boquinhas?

Por último, Villa ignorou a verdade, ao acusar todo o lulismo de estar perseguindo Monteiro Lobato ("Como disse Monteiro Lobato, preso pelo Estado Novo e agora perseguido pelo lulismo...").

Desde quando o insignificante Conselho Nacional de (Des)Educação, ao elaborar pareceres desnecessários e tolos, expressa a posição de Lula, dos dirigentes do PT, dos movimentos sociais,  do clero progressista, do  universo do lulismo, enfim?

Seria simplesmente asnático brigar com a extraordinária biografia de Monteiro Lobato, ainda mais num momento em que a Petrobrás é o grande cartão postal do governo.

Noves fora, tudo não passou de mais um exemplo da crassa ignorância de funcionários subalternos, incumbidos de tarefas além de suas qualificações. E o Villa sabe muito bem disto.

Satanizar os adversários é feio, professor!

O MOMENTO MÁGICO DE UMA DILMA QUE AINDA DEVE SER VANDA

Sem falsa modéstia, acertei em praticamente tudo que escrevi sobre a campanha e o resultado do 2º turno da eleição presidencial.

Leitores contrariados com a derrota demotucana, entretanto, correram a me rotular de "petista", forma bem brasileira de desqualificar argumentações irrespondíveis.

No terreno minado em que se transformou o debate político na internet, não há mais espaço para nuances e sutilezas.

Caímos no maniqueísmo total: reduz-se tudo a uma disputa entre o Bem e o Mal, só diferindo o entendimento sobre quem seja o  mocinho  e quem seja o bandido.

Para veteranos de outros carnavais, entretanto, há uma infinidade de tons entre o branco e o negro. Foi assim que aprendemos a pensar a realidade e a direcionar nossas ações.

Não mudarei para satisfazer o primarismo de ninguém. Pois, mais do que êxitos, ganhos e prestígio, o que me importa é a coerência. Sou capaz de suportar a reprovação generalizada, quando intimamente sei que estou certo.

Nem imagino o que aconteceria se me sentisse um  safado -- como muitos que abriram mão dos seus ideais devem, lá no fundo, estar cientes de que são, embora finjam acreditar que  evoluíram.

Então, não me incomodei nem um pouco quando alguns me acusaram de ajudar  a direita, ao defender a posição de que cidadãos com convicções revolucionárias deveriam, no 1º turno, votar num dos quatro candidatos assumidamente anticapitalistas, e não na candidatura reformista com chance de liquidar logo a fatura.

E, como tudo confluía para (se houvesse) um 2º turno entre Dilma Rousseff e José Serra, também antecipei que, nesta hipótese, o certo seria apoiarmos a candidatura reformista contra a que, além de ser de centro-direita, englobava suspeitíssimos bolsões neofascistas.

REFORMA OU REVOLUÇÃO

Que eu me lembre, foi no final de 1968, ao redigir meu primeiro documento político mais ou menos autoral, que respondi à celebre questão colocada por Rosa Luxemburgo (reforma ou revolução) alinhando-me com os defensores da segunda, contra os esquerdistas que se conformavam com a primeira.

Para mim, não foi só uma besteirinha alinhavada para um congresso secundarista. Foi uma diretriz para a vida inteira.

Mais tarde, vim também a perceber quão insensata era a postura dos companheiros que faziam oposição meramente destrutiva às por eles chamadas  políticas econômicas burguesas, arriscando-se a atirar o Brasil numa depressão.

Ou seja, num momento de grande fragilidade econômica, sustentavam que seria bom se o caldo entornasse de vez, para as massas aprenderem na carne quão perverso é o capitalismo.

Contra esses eu argumentava que, nas crises econômicas (que eu havia estudado em profundidade para produzir uma série jornalística), a primeira coisa que acontece é o arrefecimento da combatividade dos trabalhadores.

Temerosos de perder o emprego numa época de vacas magras, eles, em sua maioria, abdicam de reivindicações, desertam dos sindicatos e enfiam a cabeça na areia.

Então, eu concluía, seria suicídio contribuírmos para o agravamento de qualquer recessão, além de uma desumanidade em relação aos humildes, que são sempre os que mais sofrem.

Dessa polêmica me veio a certeza de que o "quanto pior, melhor" não deve ter lugar nas lutas políticas e sociais.

Lembrei-me de haver lido, em Isaac Deutscher, que a democracia alemã fora detonada pelo ataque conjunto da direita e da esquerda: os comunistas, qualificando os socialistas de "sociais-fascistas", ajudaram Hitler a varrê-los do poder.

Acreditavam que, alijados os  intermediários, no confronto aberto com o  verdadeiro inimigo  levariam a melhor.

Mas, perderam. E, com sua aposta insensata, pavimentaram o terreno para os horrores da 2ª Guerra Mundial.

Lera sem muita atenção este relato. Mas, minhas próprias opções me levaram a perceber, posteriormente, sua enorme importância. Trata-se de um erro que jamais deveremos repetir.

Assim, no 2º turno, coloquei-me vigorosamente contra o retrocesso, enfatizando os riscos que a democracia brasileira correria na eventualidade de um governo com forte presença do DEM (herdeiro dos  arenosos  apoiadores da ditadura), um vice ultradireitista como o ìndio da Costa e uma relação pouco clara com as correntes virtuais neofascistas.

Isto incomodou aquelas tendências de esquerda que colocam o lulismo praticamente no mesmo plano dos inimigos capitalistas.

Fazer o quê?! Toquei minha caravana adiante. 

CIVILIZAÇÃO x BARBÁRIE

Na antevéspera da votação, com a certeza da eleição de Dilma, antecipei a postura a ser adotada no day after:
"[Dilma} já conseguiu evitar o retrocesso, parabéns!

"Torçamos para que ela seja igualmente bem sucedida em deslanchar o avanço, com determinação e ousadia".
Tornei mais clara ainda esta idéia no domingo da vitória:

"Torço para que a Dilma saiba aproveitar seu grande momento, não sendo apenas uma estátua de Davi, mas sim a aguerrida companheira que:
  • como Chaplin, queria chutar o traseiro dos ociosos;
  • como Cristo, trouxe uma espada para combater a injustiça; e
  • como Marx, pretendia proporcionar a cada trabalhador o necessário para a realização plena como ser humano".
Trocando em miúdos, com seus oito anos de políticas cautelosas, Lula melhorou a vida dos humildes e fez jus à sua gratidão.

Agora, com nossa economia deslanchando como não se via desde os melhores anos do  milagre brasileiro, Dilma pode desarquivar algumas propostas originais do PT que ficaram para trás, à espera de melhor oportunidade.
Tal oportunidade chegou e, se ela a aproveitar, desempenhará um papel de primeira grandeza na História escrita pelos explorados e oprimidos, que é bem diferente da História oficial.

Em sua primeira coletiva à imprensa, houve um momento mágico em que Dilma recolocou os valores humanitários no centro das decisões políticas, descartando o pragmatismo amoral:
"Mesmo considerando usos e costumes de outros países, continua sendo bárbaro o apedrejamento da Sakineh".
Sim, chega dessa relativização obscena que o Itamaraty vinha adotando em questões, estas sim, sem meio termo possível: ou se está ao lado dos homens, ou ao lado das bestas-feras!

A esquerda tem de voltar a alinhar-se, decidida e incondicionalmente, à civilização, contra a barbárie. Só assim tocará de novo os corações e mentes, atraindo para seu campo os melhores seres humanos -- aqueles que são movidos pela esperança num mundo melhor e disposição de contribuir para seu advento.

À Dilma que proferiu tal frase eu dou um voto de confiança: fez-me lembrar a vibrante companheira que conheci nos idos outubro de 1969, durante o Congresso de Teresópolis da VAR-Palmares.

Posso ser um incorrigível sonhador, mas espero sempre o melhor das pessoas.

Então, até prova em contrário, prefiro acreditar que, lá no fundo, sem  dar bandeira  porque isso em nada facilitaria sua jornada, Dilma ainda é Vanda -- e não um ex-Gabeira qualquer.

E mais Vanda será se a ajudarmos a ser Vanda.

2.11.10

CESARE (QUASE) LIVRE

Está próximo do desfecho justo o caso do escritor e perseguido político Cesare Battisti, preso há 45 meses no Brasil por causa de crimes ocorridos há mais de três décadas na Itália.

Crimes de que não foi acusado no seu primeiro julgamento, em julho de 1979, quando recebeu a exageradíssima sentença de 12 anos de prisão, por mera subversão contra o Estado italiano.

Crimes que lhe foram jogados nas costas quando o processo, já transitado em julgado, foi reaberto em 1987 por conta das delações premiadas de Pietro Mutti, o líder do grupo de ultraesquerda do qual Battisti havia participado.

Acusado por um juiz, noutro processo, de mentir sistematica e descaradamente à Justiça, distribuindo culpas de acordo com suas conveniências, Mutti inculpou Battisti por quatro assassinatos -- e, pateticamente, a acusação teve de ser reescrita pelos promotores quando se constatou que dois desses episódios haviam ocorrido com intervalo de tempo insuficiente para que Cesare pudesse ter se locomovido de uma a outra cidade.

Em vez de jogarem esse amontoado de mentiras no lixo, inventaram que Battisti teria sido o autor intelectual de um desses homicídios. Poderiam também ter-lhe atribuído o dom da ubiquidade, por que não? As fábulas aceitam tudo...

Com o único respaldo de outros interessados em favores da Justiça italiana, cujos depoimentos  magicamente  se casaram com os de Mutti, Battisti foi condenado em 1987 à prisão perpétua.

Depois ficou indiscutivelmente provado que, foragido no México, ele esteve representado nesse julgamento por advogados que não constituíra para tanto, os quais fraudaram procurações para apresentarem-se como seus defensores (embora houvesse conflito de interesses entre Battisti e os co-réus que eles também defendiam).

Nem sequer isto foi levado em conta pela Justiça italiana, que lhe nega o direito líquido e certo a novo julgamento, como qualquer sentenciado à pena máxima cuja condenação tenha se dado à revelia.

O quadro se completa:
  • com as pressões políticas e caríssimas campanhas de mídia que a Itália desenvolveu para convencer a França a renegar o compromissso solene que assumira com os perseguidos políticos italianos, de deixá-los em paz desde que se abstivessem de interferir na política de sua pátria;
  • com as descabidas pressões políticas sobre o governo brasileiro, depois que este, soberanamente, concedeu refúgio a Battisti; e
  • com a interferência exorbitante nos trâmites do caso no STF, servilmente consentidas por Cezar Peluso, que em momento algum mostrou a isenção inerente a um relator, tomando invariavelmente partido pela posição italiana contra Battisti e contra o ministro da Justiça do Brasil (que sempre deu e deveria continuar dando a última palavra nos casos de asilo político e refúgio humanitário).
Nem sequer a GRITANTE prescrição do caso foi levada em conta por Peluso, que recorreu a filigranas jurídicas para confundir o óbvio, com a anuência de outros ministros reacionários do Supremo.

Depois de rasgar a Lei do Refúgio e desconsiderar a jurisprudência consolidada em vários outros casos, o STF não ousou, contudo, consumar o linchamento de Battisti: contra a vontade dos ministros alinhados com a posição italiana, reconheceu que continuava cabendo ao presidente da República dar a última palavra no assunto.

Já se roubaram quase quatro anos da vida de Cesare Battisti, cidadão que  foi mais do que punido pelo que realmente fez, mas quiseram transformar em bode expiatório do que não fez, como um símbolo do triunfo da pior direita européia sobre os ideais de 1968.

Os brasileiros ciosos da soberania nacional e inspirados pelo espírito de Justiça esperam que o presidente Lula dê um fim a essa jornada kafkiana, confirmando o direito que o Ministério da Justiça já reconheceu, de Battisti morar e trabalhar no Brasil, definitivamente a salvo da  vendetta  dos neofascistas italianos.

1.11.10

VEJA ATÉ ONDE VAI O RIDÍCULO DA "VEJA"!

"Eu assisti de camarote
o teu fracasso,
palhaço, palhaço!"
(Benedito Lacerda) 

Na edição que entrou em bancas no dia 16/10/2010, a revista Veja dedicou sua matéria de capa a um bizarro exercício de futurologia e lobbismo, ao proclamar que a eleição presidencial seria decidida em Minas Gerais, graças ao "poder de Aécio".

O ridículo começou pela capa, apresentando Aécio como Super-Homem, e se derramou pelas páginas internas, nas quais se garantia que "Aécio move a montanha" (título da matéria). Eis alguns trechos:
"Ao fazer seu sucessor no governo de Minas Gerais, o senador eleito Aécio Neves demonstrou sua enorme capacidade de transferir votos. Agora, ele quer repetir o feito em favor de José Serra. O resultado desse esforço poderá definir o futuro presidente da República.

"A eleição presidencial de 2010 será decidida em Minas Gerais. Três razões justificam essa afirmação. A primeira é que Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país, concentra a parcela mais expressiva dos 10 milhões de eleitores indecisos, cujo voto será crucial num pleito em que a diferença entre os contendores está cada vez mais estreita. (...) O segundo motivo é que se encontra em Minas, em disputa aberta, o espólio de 2,3 milhões de votos que a verde Marina Silva recebeu no primeiro turno. (...) O terceiro motivo responde pelo nome de Aécio Neves.

"Principal força política de Minas Gerais, o senador eleito declarou que vai por a serviço do candidato tucano, José Serra, todo o seu capital político - e ele é gigantesco...

"No dia 31 de outubro, o Brasil emergirá das urnas com uma nova configuração de poder. Qualquer que seja ela, Aécio Neves terá um papel fundamental. Ele (...) jurou fazer seu sucessor no governo de Minas, planejou eleger-se senador e agora se propõe a trabalhar para dar a vitória a Serra em Minas. Se o tucano ganhar as eleições, Aécio colherá os frutos de ter sido peça essencial na vitória. Se perder, emergirá como o rosto renovado da oposição..."
Eu não espero comodamente o desenrolar dos acontecimentos para detonar tais falácias -- jornalísticas e políticas.

Então, logo no dia 19 lancei também minha profecia, provando ser um Nostradamus bem melhor que os da Veja:
"...não há factóide, propaganda enganosa e alarmismo que façam os eleitores   pés no chão  mudarem seu voto.

"O desejo da Veja, erigido em matéria de capa (!), é o de que a eleição fosse decidida em Minas Gerais, com Aécio Neves como fiel da balança. Dia 31 a revista aprenderá que jornalismo é algo mais do que expressão de desejos".
Aprendeu mesmo.

Apesar da "enorme capacidade de transferir votos" de Aécio Neves, Dilma surrou impiedosamente Serra em MG -- 58,45% x 41,55%, vantagem maior do que a alcançada no País inteiro (56,05% x 43,95%).

Talvez por ser um homem de pouca fé, Aécio não moveu montanha nenhuma. E está sendo disto acusado por vários tucanos, começando pelo coordenador do programa de governo de Serra, Xico Graziano, que colocou este comentário no Twitter, mal acabava de ser conhecido o resultado: "Perdemos feio em Minas Gerais. Por que será?!"

Ao invés de emergir da derrota "como o rosto renovado da oposição", Aécio, para boa parte do tucanato, sai como o rosto hipócrita da traição.

Quanto à Veja, teve mais uma oportunidade para constatar que, como bem mostrou Walt Disney em seu clássico Fantasia (1940), aprendizes de feiticeiros cometem as piores lambanças.

BRASIL TEM PRESIDENTE QUE PEGOU EM ARMAS CONTRA A DITADURA

Quem acompanha meu trabalho, não precisou esperar até este domingo (31/10) para saber quem venceria a eleição presidencial.

Doze dias antes, em 19 de outubro, eu cantei a bola, no meu artigo O diabo trapaceou Serra: tomou-lhe a alma sem dar nada em troca:
"...Serra não encontrou o mapa da mina.

"...Uma mudança surpreendente do quadro só seria possível se Serra fosse um personagem eletrizante; mas, seu estilo é de quem está sempre explicando o óbvio a estudantes burrinhos.

"O aborto (...) da hipotética virada já começa a se evidenciar nas pesquisas eleitorais.

"Pior que a derrota será a decepção causada por Serra àqueles que ainda acreditavam nele.

"Aceitar o apoio e beneficiar-se da baixaria das correntes virtuais ultradireitistas, fazer promessas demagógicas como a do salário mínimo de R$ 600 e colocar uma questão religiosa no centro da campanha o deixou com a imagem de quem pisa até no pescoço da mão para chegar à Presidência.

"O último a projetar tal imagem acabou morrendo na praia. E, convenhamos, fazia bem mais por merecer o ambicionado troféu."
No fundo, minha linha de raciocínio foi bem simples.

Serra se chocava contra um governo recordista de aprovação e que passa por fase das mais auspiciosas: a situação financeira dos cidadãos tem melhorado consistentemente e as perspectivas são de que a economia continue crescendo.

De quebra, a empada não tem uma, mas três azeitonas: o pré-sal, a Copa do Mundo e a Olimpíada.

Então, a verdade nua e crua é que Serra já teria sido fulminado no 1º turno, caso Marina Silva não tivesse disparado na reta final, obtendo surpreendentes 19,3% dos votos válidos.

O candidato demotucano ficou com os 32,6% que as pesquisas lhe auguravam. Se dependesse só de sua (inexistente) capacidade de reação, teria ido à lona já em 3 de outubro.

A segunda chance lhe caiu do céu, mas ele tinha 14,5 milhões de votos a menos do que Dilma Rousseff. Sabia que o espólio de Marina Silva e demais candidatos derrotados não seria só seu. PRECISAVA DESESPERADAMENTE DESLANCHAR, nas quatro semanas que tinha pela frente.

Ora, nas duas primeiras semanas a campanha de Dilma não só conseguiu superar os danos psicológicos de não haver correspondido à expectativa de que liquidaria logo a fatura, como recolocou a candidata em trajetória ascendente.

Foi a exata repetição do que aconteceu na disputa entre Lula e Alckmin em 2006.

E, como Serra deixara escapar entre os dedos seu melhor momento, dentre outros motivos por causa do desempenho burocrático nos debates, eu apostei tranquilamente que o desfecho também seria exatamente o mesmo de quatro anos atrás.

Não deu outra.

A diferença em favor de Dilma diminuiu um pouco, para 12 milhões de votos. Mas, Serra ficou bem longe de se constituir em verdadeira ameaça.

Ela teve 47,6 milhões de votos no 1º turno e aumentou o total em 8,1 milhões.

Aos 33,1 milhões de Serra acrescentaram-se 10,6 milhões.

Acertaram as pesquisas: os votos de Marina foram redirecionados um pouco mais para Serra.

Só que bem menos do que o necessário para salvarem o demotucano de uma derrota acachapante e que, caso não ocorra um verdadeiro milagre, o condenou a ter mesmo o destino de Brizola: morrer sem realizar seu maior sonho.

TUCANO NÃO É FÊNIX E GUERREIRA 
NÃO DEVE SER ESTÁTUA DE DAVI

Para Serra, o desafio agora é renascer das cinzas. Só que tucano não é fênix e o peso dos erros cometidos nesta campanha -- direitização aberrante e chocante, demagogia religiosa, promessas populistas, etc. -- se tornou lastro que atrapalhará em muito suas tentativas de alçar novo voo.

Dilma, por sua vez, terá de provar que é algo mais do que uma estátua de esculpida com tamanha perfeição pelo artista Michelangelo da Silva que acabou ocupando o melhor pedestal no panteão do Planalto.

Não esquecendo jamais que, tão importante quanto trazer os 43,7 milhões que votaram em Serra para o campo progressista é dar aos 26,8 milhões de desencantados (abstenções, brancos e nulos) motivos para acreditarem que as mudanças são possíveis.

O lulismo no poder já provou sua competência no gerenciamento do estado em conformidade com os interesses dominantes, mas garantindo uma fatia um pouco maior do bolo para aqueles que produzem todas as fatias.

A dívida social, entretanto, está muito longe de ser zerada, como o foi o débito com o FMI.

Torço para que a Dilma saiba aproveitar seu grande momento, não sendo apenas uma estátua de Davi, mas sim a aguerrida companheira que: 
  • como Chaplin, queria chutar o traseiro dos ociosos; 
  • como Cristo, trouxe uma espada para combater a injustiça; e 
  • como Marx, pretendia proporcionar a cada trabalhador o necessário para a realização plena como ser humano.
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