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29.4.12

DE HORA EM HORA OBAMA PIORA

Crer que algo vá mudar com a troca da guarda na presidência dos EUA sempre foi a maior roubada. Quem manda é o  stablishment, pouco importando as características do seu serviçal da vez na Casa Branca.

John Kennedy, p. ex., nem de longe pode ser considerado a  pomba  que dele fizeram, embora assassinado por  falcões

Deu sinal verde para a invasão da Baía dos Porcos em abril/1961, mas refugou quando o show já começara. Deixou de fornecer a prometida cobertura aérea para o desembarque dos  gusanos  e estes foram facilmente dominados.

Mas, não fez objeção nenhuma a que exilados cubanos utilizassem o território dos EUA para prepararem uma incursão armada contra seu país, nem descartou o apoio intervencionista a tal empreitada.

Foi só na enésima hora que reconsiderou, preferindo evitar um comprometimento tão ostensivo com a agressão a uma nação soberana sem ter-lhe declarado guerra.

Resultado: o mundo inteiro ficou sabendo, da mesmíssima maneira, que os EUA estavam acumpliciados com a invasão. E esta fracassou rotundamente.

Depois que John e Robert Kennedy foram assassinados por ultradireitistas hidrófobos, houve quem os tentasse erigir em grandes democratas.

"JOÃO DO AMOR"?!

Em 1968, no IV Festival de MPB da TV Record, foi até inscrita uma música homenageando o clã, composta por Ary Toledo e Chico Anysio. John Kennedy, quem diria, metamorfoseou-se em "João do amor" que "cantava a paz e o bem", mas cuja canção foi calada por "um tiro à traição". Dessa vez, o simpático Jair Rodrigues não recebeu muitos aplausos por sua interpretação...

Justiça seja feita, John Kennedy teve lá seu grande momento quando administrou a crise dos mísseis cubanos sem ceder às pressões militares para endurecer com a URSS. Com um Nixon na presidência, talvez a humanidade tivesse ido pro beleléu.

Durante a Guerra do Vietnã, eram bem heterodoxos os discursos do precandidato democrata à presidência em 1968, Eugene McCarthy, a ponto de sensibilizarem os jovens contestadores, que fizeram campanha por ele. Mas a indicação acabou ficando com o anódino Hubert Humphrey. Nunca saberemos se Gene, no poder, teria sido fiel à sua retórica.

George McGovern, menos à esquerda mas igualmente comprometido com o fim da guerra, conseguiu ser candidato em 1972, perdendo a eleição para o coadjuvante do macartismo Richard Nixon.

O menos pior dos presidentes estadunidenses nas últimas décadas foi, sem dúvida, Jimmy Carter, que estimulou a redemocratização da América Latina tanto quanto seus antecessores haviam semeado ditaduras. Foi mediador do primeiro acordo de paz entre um país árabe (o Egito) e Israel, amenizou o embargo econômico a Cuba e adotou uma política de paz em relação aos países comunistas. 

...E O VENTO LEVOU!

Está sendo uma completa decepção a  grande esperança negra  Barack Obama (aquele que, dentre outras promessas que o vento levou, comprometeu-se a desativar Guantánamo, só faltando assinar um  papelzinho  como os do Serra).

Tão insignificante vem sendo seu governo que nada melhor ele tem para erigir em trunfo eleitoral, nesta altura da campanha para reeleger-se, do que a hedionda operação pirata para extermínio de Osama Bin Laden e quem mais estivesse por perto, ao arrepio da soberania do governo paquistanês.

Tolamente, o rival republicano Mitt Romney afirmou que "não vale mover céus e terras gastando milhares de dólares só para pegar uma pessoa".

Levantou a bola para os democratas explorarem um tema que lhes favorece junto ao eleitorado de jecas e brucutus dos EUA.

Começando por Bill Clinton, que deu uma declaração mais feia ainda do que as mulheres que escolhe para  pular a cerca: disse que, ao tomar a decisão de autorizar uma  vendetta  caracteristicamente mafiosa contra Bin Laden, Obama teria escolhido "o mais difícil e mais honrado caminho".

Fez-me lembrar o título em inglês de um ótimo filme policial francês (d. Jean Herman, 1968, com Alain Delon e Charles Bronson): Honra entre ladrões.

Pois nada existe de mais desonroso do que ordenar matança tão covarde.
OUTROS ESCRITOS RECENTES (clique p/ abrir):
SINAL VERDE PARA AS COTAS RACIAIS. E TAMBÉM PARA AS COTAS SOCIAIS!

27.4.12

COTAS: O QUE O STF REALMENTE DECIDIU?

Foi um arraso: por 10x0, o Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade das cotas raciais em instituições de ensino público.

Entre votos entusiásticos, meramente  maria-vai-com-as-outras  e um ranzinza (Gilmar Mendes), prevaleceu o conceito de que deve haver alguma desigualdade a favor de algumas das vítimas da desigualdade básica do capitalismo.

"Eu assisti de camarote...
Muito se discutiu sobre o  acessório, desde que os reacionários repulsivos do DEM e algumas celebridades cuja verdadeira preocupação nunca foi a cor da pele, mas sim a cor dos holofotes globais, encamparam a bandeira levantada por Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, no seu livreco Não somos racistas.

Não perderei tempo com retórica de conveniência, como a do jornal da  ditabranda  no seu editorial de reação (acesse aqui) a esta derrota acachapante da desumanidade neoliberal --tão cara a seu  diretorzinho  de redação por  mérito  de herança...

O fundamental  é que se tratou de mais uma contenda entre solidários e exclusivistas, entre pessoas que querem ajudar as outras pessoas e pessoas que querem que as outras pessoas se danem, cada um por si e o diabo por todos.

De tudo que rolou numa 5ª feira memorável, o principal foi esta declaração do relator do caso, Ricardo Lewandowski: a decisão do STF "confirmou a constitucionalidade das ações afirmativas para grupos marginalizados como um todo".

...o teu fracasso,
palhaço, palhaço!"
Ou seja, cotas sociais também são constitucionais, e em todo o ensino público. 

Por crassa cegueira ideológica, há esquerdistas  blasés  que torcem o nariz para uma conquista que mobilizou intensamente o movimento negro e abrirá caminho para muitas outras lutas por mais justiça social.

Essa gente vive enclausurada na torre de marfim de suas convicções sectárias, sem nunca levar em conta que precisamos acumular forças de todas as maneiras íntegras e somar forças com todos os que nos são afins se quisermos transformar em profundidade a sociedade.

Ora se desdenham os defensores de direitos humanos que tantos companheiros ajudaram a salvar durante a ditadura militar, ora o movimento negro que tem tudo a ver conosco, ora os jovens valorosos que confrontam o autoritarismo na USP.

Como não existe revolução do eu sozinho, os que concorrem para a pulverização de forças jamais vão fazer revolução nenhuma.

Mas atrapalharão --e muito!-- os esforços de quem está realmente empenhado em fazer a revolução.

26.4.12

É HOJE: COMPANHEIROS DE SP TÊM ENCONTRO MARCADO COM BATTISTI

Cesare Battisti estará autografando seu Ao pé do muro hoje (5ª feira, 26), a partir das 18 horas, no anfiteatro da Faculdade de Geografia da USP. Haverá também debate, com a presença de Carlos Lungarzo e outros expoentes da luta que impediu a repetição das injustiças cometidas contra Dreyfus, Sacco e Vanzetti, Julius e Ethel Rosenberg, Olga Benário, etc. Também participarei.

Ao pé do muro (Martins Fontes, 2012, 304 p.) dá sequência ao relato das atribulações de Battisti desde que o governo do então premiê Silvio Berlusconi conseguiu fazer com que a França traísse o compromisso solene assumido com ele (e outros fugitivos italianos), de lhe(s) proporcionar refúgio enquanto se mantivesse(m) afastado(s) da política. Os capítulos anteriores desta saga estão em Minha fuga sem fim (Martins Fontes, 2007, 288 p.) e Ser bambu (Martins Fontes, 2010, 224 p.).
 
Ao pé do muro focaliza o período que Battisti viveu clandestino no Brasil, de 2004 até sua detenção em março de 2007, mais o dia a dia na área de custódia da Superintendência da Polícia Federal no DF (em que permaneceu até julho de 2008, quando foi transferido para o Centro Penitenciário da Papuda). O muro em questão é aquele no qual ficava encostado, refletindo, enquanto tomava banho de sol.

Para mais detalhes sobre Ao pé do muro, clique aqui.

25.4.12

O CALVÁRIO DE BATTISTI NO BRASIL É O TEMA DE "AO PÉ DO MURO"

Já lançado em outras capitais brasileiras, o novo livro de Cesare Battisti, Ao pé do muro (Martins Fontes, 2012, 304 p.), será apresentado aos paulistanos amanhã (5ª feira, 26), a partir das 18 horas, no anfiteatro da Faculdade de Geografia da Universidade de São Paulo.

Dá sequência ao relato de suas vicissitudes desde que o governo italiano conseguiu fazer com que a França traísse o compromisso solene com ele (e outros fugitivos italianos) assumido, de lhe proporcionar refúgio enquanto se mantivesse afastado da política. Depois de levar vida comum e produtiva entre 1991 e 2004, começando como zelador e aos poucos se consagrando como autor de novelas policiais, foi atirado no que apropriadamente definiu como Minha fuga sem fim (título do volume inicial de suas memórias de perseguido político, Martins Fontes, 2007, 288 p.).

Nele narrou, de forma empolgante, a formidável campanha de manipulação da opinião pública e as pressões políticas e econômicas orquestradas para que os franceses revogassem, na prática, a generosa Lei Mitterrand. Em segundo plano, vão desfilando as lembranças da família comunista, do progressivo engajamento político até chegar à contestação armada, da militância nos Proletários Armados para o Comunismo, da prisão, do julgamento, da fuga, da clandestinidade na França e no México e, finalmente, dos 13 anos de existência tranquila em Paris. 

Depois veio Ser bambu (Martins Fontes, 2010, 224 p.), quando a traumática retomada da fuga o leva à ilha da Madeira e às ilhas Canárias, sempre controlado atentamente pela espionagem européia. 

Ao pé do muro recapitula o período que viveu clandestino no Brasil, de 2004 até sua detenção em março de 2007, mais o dia a dia na área de custódia da Superintendência da Polícia Federal no DF (em que permaneceu até julho de 2008, quando foi transferido para um local bem menos opressivo, o Centro Penitenciário da Papuda). O muro em questão é aquele no qual ficava encostado, refletindo, enquanto tomava banho de sol

Foi a fase em que ficou conhecendo sua atual companheira, que estava incumbida de o vigiar, tendo, paradoxalmente, a relação evoluído para um caso de amor.  

Suas memórias cariocas mostram o lado da  Cidade Maravilhosa  que  não aparece nos guias turísticos:  os morros submetidos à autoridade das gangues, as pessoas simples vitimadas por fogos cruzados e balas perdidas, prostituição, desigualdade, pobreza. Passa o tempo mais a observar e interpretar do que a agir, como o Mersault de O Estrangeiro, de Albert Camus. Leva uma vida provisória, atravessando os dias sem perspectivas, temendo e adivinhando o desfecho funesto.

 "SUBVERSIVOS" BRASILEIROS: IRMÃOS À DISTÂNCIA

Este trecho me sensibilizou, pois viria a ser eu um dos  irmãos à distância  brasileiros que, em nome das dores comuns, o ajudariam:
"...dentro de alguns minutos, estaria sentado nas pedras do Arpoador. Um lugar de beleza e morte. Eu tinha lido em algum lugar que, na época da ditadura, naquela rocha lisa e clara que mergulha no oceano separando a praia de Copacabana da de Ipanema, os militares aqueciam a pedra em brasa antes de nela estenderem os 'subversivos'. Seria isso que me consolava naquele lugar, depositar minhas dores junto à daqueles homens que haviam sido meus irmãos à distância? Não sei, só ficava ali olhando o sol confundir-se com a água." 
As histórias da prisão da PF, dos outros prisioneiros e até de um carcereiro nos remetem ao Dostoievski de Recordações da Casa dos Mortos, a muitos livros de Jorge Semprún e a outros tantos de Alexander Soljenítsin. Algumas são interessantes e pungentes, outras nem tanto. Mas ajudam a compor o painel que Battisti vai montando do Brasil, com direito  a incursões pela prática generalizada da corrupção, pelo inferno das drogas, pelas ocupações dos sem-terra, pela manipulação mesmerizante/bovinizante da indústria cultural, pelos crimes contra a natureza e contra os homens que ocorrem impunemente na Amazônia, etc.

E de que forma o homem acossado, espionado, monitorado e até drogado por uma rede permanente de vigilância se define? Como um ser tão prostrado quanto o Joseph K. no final de O Processo:
"Eu vinha de uma viagem demasiado longa, e estava exausto, fragilizado por anos de perseguições, mentiras, ameaças e privações  (...) Tempo demais arrastando a vida numa mochila. De um lugar para outro sem destino certo, de avião, de barco, a pé, de táxi. Uma quantidade enorme de táxis amarelos sempre parando em ruas anônimas. Fugas grandes e pequenas, perigos reais e falsos alarmes, circunspecção legítima e delírio, medo, sempre o medo dos onipresentes perseguidores, homens e mulheres, caçadores oficiais e clandestinos, sempre no meu encalço, dia e noite, onde quer que eu fosse. Por que não me prendiam? Por que vigiar todas as minhas idas e vindas a esperar, dia após dia, durante meses, anos? E esperar o quê?
Em breve descobriria o jogo deles, mas seria tarde demais. Enfim, tarde demais para quê? Para continuar tremendo a cada porta que batia? Para optar pela solidão de modo a não poluir uma mulher com meus problemas? Para me alimentar aqui e ali, e dormir nos arredores das estações, sempre perto demais dos traficantes de toda espécie? Para quebrar a cabeça fotografando esses homens e mulheres que revistavam sistematicamente toda morada em que eu vinha parar, mesmo que por meio dia apenas... Era assim que eu vivia no Rio".
A espiã/namorada e outra personagem constataram, surpresas, que ele era inofensivo, bem diferente do  perigoso terrorista  que seus contratantes haviam pintado. Battisti concorda, avaliando-se como "um restolho dos anos 1970, que já na época era um pequeno sonhador, e hoje é um velho sonhador babaca".  

"UM PEQUENO EXÉRCITO EM DEBANDADA"

O desalento vinha de longe. Antes mesmo de voltar a ter a cabeça a prêmio, já se rompera nele o encanto, golpeado rudemente pela sucessão de tragédias que marcou sua geração:

"...naqueles tempos de transição entre a efervescência revolucionária pós-1968 e o baixo astral dos anos 1980, eu vagava, com os outros todos, na névoa de uma clandestinidade sem volta e sem objetivo que não sobreviver. Éramos o que restara de um pequeno exército em debandada".

Minha postura é outra: permaneço na luta até hoje, também sofrido, sem a ingenuidade de outrora, mas com o mesmo ardor.

Tenho, contudo, máxima simpatia e respeito pelo antigo guerreiro que hoje busca o merecido repouso --e nem isto está conseguindo, pois continua enfrentando muitas dificuldades e tem evidências de sobra de que não foi esquecido pelos inquisidores.

É impossível não se comover com este desabafo de Battisti, situado em 2006 ou 2007
"...estou cansado de arrastar minha vida de um lugar para outro, fugindo do inevitável. Não aguento mais, estou exausto, os anos vão passando e eu não vejo minhas filhas crescerem. Não consigo mais imaginar o rosto delas. Eu faço força, mas não consigo, e sinto vergonha disso. Eu perdi tudo. Mas não elas. Eu quero as minhas duas filhas. Eu sou o pai delas".
Agora pode, ao menos, recebê-las em liberdade. Mas acompanhá-las no cotidiano, só quando a Itália desistir de sua  vendetta  infame ou a França lembrar que um dia já quis ser a terra da liberdade.

Pois o que Battisti mais sonha é com a volta à Paris onde se deu tão bem e de onde nunca deveria ter saído.

STF DEVE APROVAR AS COTAS RACIAIS, IGNORANDO OS TOLOS POMPOSOS

"A igualdade nunca foi dada em nossa história. Sempre foi uma conquista que exigiu imaginação, risco e, sobretudo, coragem. Hoje não é diferente."

Esta é a lapidar conclusão do memorial redigido por Márcio Thomas Bastos e outros eminentes juristas em defesa das cotas para negros e índios nas universidades públicas brasileiras, cuja constitucionalidade será julgada nesta 4ª feira (25) pelo Supremo Tribunal Federal.

Em seu excelente artigo Hoje o STF julgará as cotas (vide íntegra aqui), o jornalista Elio Gaspari dá seu "palpite de quem conhece a Corte": sete votos a favor e quatro contra.

Rebatendo os alarmistas segundo os quais as quotas "estimulariam o ódio racial e baixariam a qualidade dos currículos da universidades", Gaspari constata:
"Passaram-se dez anos, pelo menos 40 universidades instituíram cotas para afrodescendentes e hoje há milhares de negros exercendo suas profissões graças à iniciativa".
Mantenho o posicionamento que assumi em junho de 2009, quando havia um tiroteio de manifestos pró e contra tal política compensatória. No meu artigo As cotas raciais e os 113 tolos pomposos (vide íntegra aqui), observei. 
"Para não embarcarmos numa discussão interminável e que talvez nem sequer comporte uma conclusão inequívoca, vamos admitir que negros e pobres tenham suas oportunidades reduzidas em função da desigualdade e da desumanidade que caracterizam o capitalismo no Brasil; e que os negros enfrentem dificuldades maiores ainda que as dos outros pobres.
Então, para os seres humanos justos e solidários, pouco importa se os negros estão em desvantagem por causa da escravidão passada ou por encontrarem-se hoje sob o fogo cruzado do capitalismo e de um racismo dissimulado, mas não menos real. Merecem, sim, que os pratos da balança sejam reequilibrados em seu favor.

...a política das cotas raciais [é] apenas um paliativo, não uma solução: ela ataca somente um dos elos da corrente da injustiça. Não garante que os negros cheguem às portas da faculdade, apenas as abre para os que as houverem conseguido alcançar por seus próprios esforços. E também não garante que tenham igualdade de oportunidades no mercado de trabalho.

Nem, muito menos, que seus talentos e conhecimentos sejam posteriormente utilizados para o seu perfazimento como seres humanos e em real benefício da sociedade, em vez de servirem à acumulação do capital.
Entre os partidários da competição insensível entre seres humanos movidos pela ganância e os cidadãos decentes que procuram minorar as mazelas do capitalismo, eu me alinharei sempre com estes últimos. Mas, sem ilusões: as injustiças só serão realmente erradicadas quando o bem comum prevalecer sobre os interesses individuais, numa nova forma de organização social".
 Em 2009, os elitistas cruzados do não inspiravam-se nas idéias de Ali Kamel, diretor de Jornalismo da Rede Globo e autor de Não Somos Racistas, livro de cabeceira de alguns dos piores porta-vozes da direita golpista na mídia brasileira.

Qualifiquei então tais "fulgurantes pavões" (Caetano Veloso, Ferreira Gullar, João Ubaldo Ribeiro e José Goldemberg, dentre outros) de "tolos pomposos"... e não abro!

Vamos torcer para que o topete dos tolos pomposos seja aparado logo mais pelo Supremo...

23.4.12

SOBRE O ESCRACHO, O PIG, O MACARTIMO E OUTROS TEMAS

Surpreendeu-me encontrar na minha caixa postal uma mensagem de Francisco Foot Hardman, escritor, ensaísta, crítico literário e professor de Teoria e História Literária da Unicamp.

Ele me recomenda o seu artigo publicado neste domingo (22) em O Estado de S. Paulo, O poder do escracho, por ser afim dos meus escritos sobre o mesmo tema.

Corretíssimo. Tem mesmo tudo a ver comigo, tanto que o recomendo enfaticamente (vide íntegra aqui). Eis uma amostra:
"Os espectros dos desaparecidos são o GPS real que guia essas alegres levas do Levante. Boa parte das centenas de jovens e representantes de familiares de desaparecidos da ditadura que se espalharam em manifestações políticas contra o esquecimento e a impunidade de torturadores e outros responsáveis pelas ações do aparato de terrorismo do Estado durante a ditadura militar em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Belém, Fortaleza, não viveu aqueles anos. 
Isso é tanto mais notável quanto virou idéia fixa repetir que o Brasil é o país da desmemória. Quantos Harry Shibatas precisarão ser ainda desmascarados? Porque é certo que este médico-legista coqueluche da 'legalização' dos extermínios praticados por agentes da Oban e do Deops, não foi caso único no amplo aparato do terror instalado pelos serviços da inteligência do regime militar.
Quantos mais foram cúmplices dos perpetradores, administrando a ciência médica a serviço da 'otimização' das dosagens de tortura? Quantos juramentos de Hipócrates rasgados sem nenhuma punição dos conselhos regionais ou nacional de medicina?
O escracho é uma manifestação legítima e eficaz. Comprovou-se isso na Argentina, no Chile e no Uruguai...
...É, na verdade, um livre momento de expressão e desabafo da sociedade civil organizada. A informação precisa e atualizada, a rapidez e leveza de sua estrutura de mobilização, em que a internet joga, como em outros exemplos recentes de democracia direta, um papel decisivo, bem como a imaginação criadora de suas variadas formas, esses são seus ingredientes de sucesso".
DESINFORMAÇÃO E LISTAS NEGRAS

Meu estranhamento se deveu a serem raros os  acolhidos na grande imprensa  que têm coragem de assumir vínculo ou identificação com os  boicotados pela grande imprensa: nós, os que só conseguimos divulgar nossos textos na internet. Quanto muito, repetem nossas teses e argumentações sem citarem a fonte.

O PIG e a web cada vez mais se tornam dois planetas diferentes e, na maioria dos casos, hostis. O primeiro ignora a segunda. A segunda critica acerbamente (quase sempre com justos motivos) o que faz o primeiro.

Para quem escreve com o objetivo de influir nos acontecimentos e não por deleite ou vaidade, é uma limitação terrível. 

Duelando em igualdade de condições com os inquisidores no território livre da internet, conseguimos convencer as minorias conscientes de que seria uma ignomínia extraditarmos Cesare Battisti para cumprir a sentença farsesca de um tribunal de cartas marcadas, que funcionou sob uma legislação típica de ditaduras (passados os  anos de chumbo, a escabrosa lei instituída exclusivamente contra os ultraesquerdistas foi revogada, mas não se anularam as condenações dela decorrentes!). 

Um dos principais coadjuvantes da ofensiva italiana, juiz aposentado que escreve na CartaCapital, chegou a desertar do debate que iniciara comigo numa tribuna virtual, com os comentários postados pelos internautas quase todos me apoiando.

Então, era extremamente frustrante assistirmos, impotentes, à mídia desinformando o cidadão comum, a  maioria silenciosa cuja cabeça ela faz, sem a mínima consideração pelas boas práticas jornalísticas, como a de publicar contestações relevantes do  outro lado. Se nos dessem o mínimo de espaço, pulverizaríamos um por um os Minos Cartas da vida --que, sabiamente, esquivavam-se de polemizar conosco (caso do dito cujo, desafiado "n" vezes pelo Rui Martins, pelo Carlos Lungarzo e por mim).

O Lungarzo e eu chegamos a enviar para mais de mil jornalistas o oferecimento de provas incontestáveis de que Battisti tinha sido defendido no segundo julgamento por advogados que não constituiu, munidos de procurações falsificadas. E, como quem desmascarara a tramóia havia sido a Fred Vargas (principal novelista policial da França, tida como uma nova Agatha Christie ou Patricia Highsmith), incluímos um brinde: ela se dispunha a conceder, complementarmente, uma entrevista exclusiva. Um presentão para qualquer profissional de imprensa. NENHUM(A) se interessou.

Vários meses depois, o correspondente do  Estadão  na França ouviu o mesmíssimo relato da boca da Fred e mandou a notícia de lá. Foi, afinal, publicada.

Será que aqueles mais de mil jornalistas tinham desaprendido o ofício? Ou o bloqueio contra qualquer conteúdo contrário à corrente dominante (pró linchamento) era total nas editorias de Política Nacional, de forma que só poderia ser driblado numa menos  estreitamente vigiada, como a do noticiário internacional?

 Agora mesmo, teve grande destaque a acusação do digno ministro Joaquim Barbosa a um atrabiliário medievalista que nunca mereceu integrar o Supremo Tribunal Federal e finalmente pendurou a toga, de manipular um julgamento da Lei da Ficha Limpa.

Aproveitando a deixa, divulguei amplamente um crime adicional --muito pior!-- cometido pelo mesmo indivíduo, o de manter o escritor Cesare Battisti sequestrado depois do seu caso já estar decidido, na esperança de induzir seus colegas a uma virada de mesa legal.

Com palavras mais veementes, apenas repeti o que haviam afirmado o grande Dalmo de Abreu Dallari e o ministro mais articulado do Supremo, Marco Aurélio Mello: a prisão de Battisti deveria ter sido relaxada tão logo o Diário Oficial publicou a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornando-se, a partir daquele instante, ilegal. E a ilegalidade durou mais de cinco meses, ao cabo dos quais o próprio STF reconheceu que nada mais havia a se discutir, só lhe cabendo cumprir a decisão que delegara a Lula.

Por que não responsabilizarmos por tal aberração o linchador que presidia o Supremo (e também o relator Gilmar Mendes)? Por que a grande imprensa deu tanto destaque a uma acusação difícil de se provar e nenhum a uma indiscutível e irrefutável?

Por dois motivos principais:
  • para não dar a mão à palmatória quanto às muitas arbitrariedades cometidas contra Battisti que ela tinha omitido ou minimizado anteriormente; e
  • para não levantar a bola de jornalistas revolucionários (agiria da mesmíssima forma se a acusação proviesse do Ivan Seixas, Laerte Braga, Rui Martins, Alípio Freire, Altamiro Borges, etc.).
OS JOVENS VOLTAM ÀS RUAS

Mas, repito, tal macartismo velado não impede que jornalistas e outros autores que têm espaços fixos na mídia inspirem-se em nosso trabalho e o reconheçam.

Por mais exasperante que seja a situação de confinado à web, eu me consolo com a lembrança dos anos de intimidação e censura: tudo era bem pior.

E, tanto quanto naqueles tempos sombrios, continuam verdadeiros os versos de Sérgio Ricardo: "cada verso é uma semente/ no deserto do meu tempo".

O deserto continua causticante, mas as sementes já começam a frutificar:
  • os jovens foram às ruas lutar contra o autoritarismo redivivo nos episódios da proibição da Marcha da Maconha, da ocupação fascistóide da USP, da blitzkrieg na Cracolândia e da barbárie no Pinheirinho;
  • fizeram passeatas contra a ganância e a corrupção;
  • protestaram contra a ilegalidade cometida pelos saudosos do arbítrio ao exaltarem os horrores ditatoriais (com a conivência de autoridades que ignoraram olimpicamente seu compromisso com a democracia);
  • e aplicaram a antigos carrascos e serviçais do terrorismo de estado a única punição possível (moral) face à tibieza dos Poderes constituídos, aos quais caberia aplicar-lhes penas compatíveis com a gravidade dos crimes hediondos que cometeram.
Foram manifestações que nos lavaram a alma e revigoraram nosso ânimo!

Nós, os que marchamos contra a corrente da desumanização, continuaremos travando o bom combate na internet e nas ruas, sem nunca desistirmos de invadir as praias do sistema e com a certeza de que nossos textos são as sementes de um futuro igualitário e livre.

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A DESUMANIDADE É GLOBAL SOB O CAPITALISMO
É DEFINITIVO: TENTAREI ABRIR UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO


22.4.12

A DESUMANIDADE É GLOBAL SOB O CAPITALISMO

Fiquei chocado com esta notícia tão sucinta da Folha de S. Paulo deste domingo (22):
"O governo espanhol aprovou anteontem uma lei que restringe o atendimento médico público a imigrantes ilegais, que terão acesso apenas aos serviços básicos: emergência, maternidade e atendimento médico infantil.

Com a medida, o governo espera deixar de gastar € 500 mil neste ano. Desde 2000, o país não vive uma mudança tão radical na política sanitária, quando uma reforma na lei dava acesso às especialidades médicas somente aos imigrantes empregados".
Enquanto o jornalão paulista noticiou de forma telegráfica, a maioria dos veículos passou batida. Nem sequer na busca virtual encontrei grande coisa.

Quem ainda é capaz de raciocinar e sentir como ser humano leu assim:
"O governo espanhol, para não despender um punhado de euros, decidiu entregar à morte pessoas (gente como a gente, pouco importando em qual país nasceram!), que têm doenças graves e requerem tratamento médico continuado".
Eu, que nunca tive condições financeiras para fazer as viagens com as quais sonhava, recebo uma melancólica compensação: fortíssimos motivos para concluir que não teriam valiado a pena.

Caso dos crimes impunes e dos deboches escancarados de Berlusconi, de seus pogroms contra imigrantes, da indiferença ou anuência do cidadão comum italiano face à perseguição infame contra Battisti. A Itália foi um afeto que se encerrou para mim nos últimos anos. Pensava nela como um país repleto de compassivos Mastroiannis; percebi não ter sido por acaso que se prostrou a Mussolini.

Agora é a Espanha que desfaz minhas ilusões, tratando os fugitivos da miséria como lixo, tal qual outras nações vitimadas pelas crises cíclicas do capitalismo. Na hora de sacrificar gente para salvar bancos, os estrangeiros são sempre alvos preferenciais; e, mais ainda, os imigrantes ilegais. "Primeiro os meus" é a lógica da xenofobia ignóbil, da mesquinhez e da pequenez.

Nem sequer na heróica Catalunha, que em outras posturas difere do restante da Espanha, parece vicejar a solidariedade para com os coitadezas do mundo.

Como cantou Vandré, "a vida não mudava/ mudando só de lugar".

A desumanidade é global sob o capitalismo. Não há oásis. O que existe são, aqui e ali, pessoas ainda movidas pela solidariedade e compaixão, lutando para evitar que o homem seja o lobo do homem.

Estas pessoas carregam as esperanças de (e da) humanidade. 

LEIA TAMBÉM, NO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir):
É DEFINITIVO: TENTAREI ABRIR UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO

20.4.12

JOAQUIM BARBOSA AVALIA CEZAR PELUSO: "CONSERVADOR, IMPERIAL E TIRÂNICO"

Cezar Peluso não saiu do Supremo Tribunal Federal. Despencou.

E, a caminho do merecido esquecimento, quis roubar a cena pela última vez. Conseguiu: acabou conquistando muito mais espaço na mídia do que o digno e discreto Ayres Britto, o novo presidente do STF. Mas, a que preço! Seu canto do cisne soou mais como grasnado alternado de gralha e abutre.

Peluso simplesmente arrancou a máscara, mostrando-se tão megalomaníaco, fanático, rancoroso e mesquinho que o cidadão comum deve estar-se perguntando: como um indivíduo tão desequilibrado pôde integrar a mais alta corte do País?

Desandou a dar entrevistas as mais inconvenientes e impróprias para o posto que ocupou, agredindo um ex-colega, a corregedora do CNJ, uma ministra do STJ, um senador, a presidente Dilma Rousseff. 
Ou seja, simplesmente direcionou sua incontinência verbal contra todos os três Poderes. Sorte de Deus que a carolice medieval do Peluso o impediu de atacar também o Todo Poderoso, como às vezes fazem os que têm conceito tão exagerado de si próprios...

Particularmente chocante foi ele haver novamente colocado em dúvida os problemas de saúde do ministro Joaquim Barbosa, considerando-se mais apto para diagnosticar as dores de coluna do colega que o respeitado neurocirurgião Manuel Jacobsen Teixeira. Ir à imprensa trombetear que o verdadeiro problema de Barbosa não seria físico mas sim psicológico (insegurança) foi uma verdadeira aberração moral.

Então, o melhor obituário do finado ministro e presidente do Supremo acabou sendo a resposta de Barbosa:
"As pessoas guardarão na lembrança a imagem de um presidente do STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade. 

Dou exemplos: Peluso inúmeras vezes manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento. 

Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso [salvando Jader Barbalho da condenação e liberando-o para voltar ao Senado], o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável; cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos para consulta médica, 'invadir' a minha seara (eu era relator do caso), surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões..."
Caberia um acréscimo, que faço por minha conta: como afirmaram na época o maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, bem como o também ministro do STF Marco Aurélio Mello, foi totalmente arbitrária a atitude de Peluso, quando não libertou Cesare Battisti tão logo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a última palavra sobre o caso.

Entre a decisão que o próprio STF delegara a Lula e a sessão em que o STF discutiu se a cumpriria ou não, Battisti amargou mais de cinco meses de prisão ilegal.

Eu disse então e repito agora: Peluso apostou que conseguiria alterar o que já tinha sido decidido, assim como ele e Gilmar Mendes haviam mantido Battisti preso depois que o ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu refúgio.

Nos dois casos houve abuso flagrante de autoridade.

Da primeira vez, conseguiram dez meses depois derrubar a Lei do Refúgio e apagar a jurisprudência, o que serviu como justificativa posterior para a barbaridade jurídica que haviam cometido antes.

Na reincidência, a aposta insensata de Peluso foi rechaçada pelo próprio Supremo por 6x3. Prevaleceu o que Lula decidira em 31/12/2010, de forma que não há atenuante nenhuma para Peluso ter mantido Battisti sequestrado até 08/06/2011.

Deveria responder por isto na Justiça... se o Judiciário não fosse tão condescendente com os crimes dos próprios togados, dos quais a privação injustificada da liberdade de um ser humano, por preconceito do juiz, é um dos mais escabrosos.

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19.4.12

GRANDE IMPRENSA AINDA DISTORCE O CASO BATTISTI

Peluso, o destrambelhado cruzado das más
causas, saiu atirando contra os colegas e Dilma.
Guinada no Supremo é o título da coluna desta 5ª feira (19) de Eliane Cantanhêde na Folha de S. Paulo (vide íntegra aqui), enfocando o fim da presidência do reacionário empedernido e fanático medievalista Cézar Peluso.

Trata-se daquele ministro que, no Caso Battisti, produziu o relatório mais tendencioso da história do STF, acolhendo as piores falácias dos inquisidores e rechaçando todas as alegações da defesa, inclusive com o emprego dos mais grotescos malabarismos jurídicos e factuais.

Isto num processo pra lá de polêmico, cujas três votações terminaram em 5x4.

Se quatro colegas não concordaram com o relator quanto à invasão de prerrogativas do Executivo (ao fulminar a decisão legítima do ministro da Justiça e, com ela, a própria Lei do Refúgio, tornada letra morta) e à extradição de Battisti, isto demonstra claramente que havia motivos relevantes para dúvidas. O relatório de Pelluso, contudo, era só certezas, igualzinho a um gavião da Fiel exaltando a grandeza do  Timão...

Pior ainda foi na terceira votação (em 18 de novembro de 2009), quando ele e Gilmar Mendes tentaram passar por cima também do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como já haviam feito com Tarso Genro ao detonarem a lei e desconsiderarem a jurisprudência.

Aí, Ayres Britto, que os acompanhara até então, resolveu dar um basta!. Afinal, a última palavra em casos de tal gravidade pertence à autoridade máxima desde os tempos da monarquia (lembremo-nos, p. ex., de que D. Maria I comutou a pena de morte de 11 dos inconfidentes mineiros, só a mantendo para Tiradentes).

Britto jamais concordou com o
esvaziamento do poder presidencial
Automatizar a extradição, de forma que Lula fosse obrigado a executá-la sem dar um pio, contrariaria toda a tradição jurídica ocidental.

Daí a perplexidade que me causou este parágrafo da Cantanhêde:
"No caso Cesare Battisti, Ayres Britto ficou aborrecido quando anunciamos que mudaria o voto. Em longo telefonema, elegante, é verdade, garantiu que 'não era homem' de decidir o voto por pressão de ninguém. O voto, ele não mudou, mas fez um contorcionismo técnico interessante que mudou o próprio resultado do julgamento. Battisti ficou".
Menos, Eliane, bem menos.

Consultando as atas da segunda sessão de julgamento (12/11/2009), você constatará que Britto já havia se posicionado firmemente contra a tese de que a decisão do Supremo deveria ser definitiva, defendendo com unhas e dentes a prerrogativa do presidente da República de dar a última palavra, conforme sempre ocorreu no Brasil.

Então, inexistiu qualquer  contorcionismo técnico  oportunístico, como fica subentendido.  Britto apenas não arredou pé da sua convicção, já expressa com máxima clareza na sessão anterior.

O que ele fez foi retirar seu apoio à blitzkrieg de Mendes & Peluso, que queriam entregar Battisti à Itália a qualquer preço, mesmo o de violentar o equilíbrio de Poderes.

E lhe dou uma informação a mais, de graça. Britto, percebendo que seria o fiel da balança, refletiu profundamente nos seis dias transcorridos entre a segunda e terceira sessões. 

A grande imprensa ainda não digeriu a
derrota: continua confundindo seu público.
Leu muito, o que até então não havia feito, sobre os processos contra militantes ultraesquerdistas dos anos de chumbo na Itália. 

E ficou ciente da obviedade que Peluso e a grande imprensa tanto esconderam: eram mesmo meros linchamentos com verniz jurídico, conforme já alertara o principal jurista italiano do século passado, Norberto Bobbio (a legislação típica de ditaduras então introduzida --e mais tarde revogada-- admitia até que um acusado permanecesse em prisão preventiva por mais de dez anos!!!).

Mas, desavisadamente, Britto já dera sinal verde para a extradição. Então, não quis passar recibo de que tomara uma péssima decisão tangido pelo relatório de Peluso, no qual havia acreditado piamente.

Tratou de corrigir o erro de outra forma, ao transformar em voto a posição já manifestada, de que não cabia ao Supremo esvaziar o poder presidencial.

Quando Peluso e Mendes, num abuso flagrante de autoridade, tentaram evitar o cumprimento da decisão que o STF já tomara, nova votação confirmou a justeza  técnica  do posicionamento de Britto, em 08/06/2011. E por um placar mais elástico, para não deixar nenhuma dúvida: 6x3.
Finalmente: faltou esclarecer por pressão  de quem  Britto teria  mudado sua posição. 

Pois a desigualdade de forças era gritante e pressões explícitas, avassaladoras, quem as moveu foram o governo italiano e a grande imprensa brasileira. 

O que tornou ainda mais acachapante sua derrota.


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18.4.12

"A IGNORÂNCIA OU DESDÉM PELAS VÍTIMAS ARMADAS É UMA GRAVÍSSIMA INJUSTIÇA"

COMISSÃO DA VERDADE: 
UM ACORDO SIMBÓLICO 
PARA CRIMES REAIS

Por Carlos Lungarzo,  
da Anistia Internacional

As Comissões de Memória e Verdade instaladas nos países que sofreram ditaduras não são tribunais nos quais os eventuais culpados dos crimes em apreço serão julgados, mas organismos de pesquisa nos quais as responsabilidades dos possíveis algozes serão esclarecidas.

Que exista ou não um posterior julgamento considerando os algozes como réus depende do poder judicial nacional ou, como aconteceu em outros países (Ruanda, ex-Iugoslavia, Congo, parcialmente Argentina) por cortes internacionais de Direitos Humanos.

Os objetivos das Comissões de Verdade e Memória são:
  1. identificar os autores, instigadores e planejadores dos crimes de lesa humanidade cometidos pela ditadura;
  2. estabelecer com a maior precisão possível quais são esses crimes e quais seriam as penas cabíveis se o caso fosse enviado a um tribunal; e
  3. guardar memória dos criminosos e incorporar seus nomes à história oficial, que hoje homenageia tiranos, torturadores, fascistas, golpistas e outros representantes das canadas opressoras da sociedade.
As Comissões de Memória e Verdade (CMV) não estabelecem, por si mesmas, punições para os criminosos. Aliás, se estes forem julgados depois, os tribunais deverão analisar todas as provas encontradas. Portanto, carece de sentido pedir às CMV a mesma neutralidade que se pede a um organismo que deve emitir veredicto.

O papel que cabe às CMV’s é reunir todos os testemunhos possíveis dos possíveis crimes dos militares e seus aliados; e avaliar a veracidade, o impacto e as responsabilidades iniciais (que deverão ser analisadas depois pela justiça) de seus autores.

Como em toda investigação sobre fatos criminosos, é necessária a presença de: (1) os analistas e investigadores; (2) as testemunhas e (3) AS VÍTIMAS.

A justiça não se fez para satisfazer as VÍTIMAS, porque a justiça moderna não procura (pelo menos, teoricamente) a vingança, mas a autêntica restituição. Trata-se de satisfazer a necessidade de segurança, justiça e futuro das sociedades. Mas, para comprovar a ocorrência de crimes anteriores, a presença das vítimas desses crimes é fundamental.

Essa é a razão pela qual as comissões de verdade devem incorporar entre seus membros representantes das vítimas da repressão, ou então as próprias vítimas.

A Comissão de Verdade que se está montando no Brasil, segundo versões da grande imprensa, poderia considerar alguns representantes das vítimas, como a esposa do assassinado Vladimir Herzog ou a filha de Rubens Paiva,

Entretanto, julgando pelos dados disponíveis por enquanto, parece que Comissão estaria deixando fora outro tipo de opositores à ditadura, que constituem o setor mais numeroso de vítimas: aqueles que agiram na luta armada.

Com efeito, diferentemente do que aconteceu no Chile, na Grécia, na Argentina e na América Central, os membros de formações armadas antiditadura e militantes de luta assimétrica constituem a maior proporção de presos, torturados e assassinados. 

Em todos os outros países, a guerrilha representa apenas uma parte, nem sempre grande, de vítimas. 

Na Argentina, p. ex., o governo fascista-populista de Isabel Perón (porém, “democrático”) tinha exterminado mais de 2 mil membros da guerrilha antes que os assassinos fardados assumissem o poder. É verdade que a guerrilha tinha muito mais de 2 mil membros, mas a maioria deles tinha conseguido refugiar-se em diversos países das Américas, da Europa e até da África.

Os militares argentinos deram o golpe de 1976 não para combater a guerrilha quase extinta (este foi apenas um pretexto), mas porque tinham um plano de extermínio que incluía a aniquilação de todos os membros da esquerda, especialmente sindicalistas, jornalistas, intelectuais, operários, etc. Embora o número dessas vítimas seja discutível, ele excede, com certeza, o número de 30 mil, que foi adotado como quantidade padrão em 1978, quando a ditadura ainda tinha cinco anos pela frente.

No Brasil foi diferente, pois a ditadura brasileira focalizou seu ataque mais feroz majoritariamente nos grupos de luta assimétrica. Então, o justo seria a inclusão de um número de membros da comissão proporcional à quantidade de membros de guerrilha que foram vítimas da repressão.

Entretanto, os organismos oficiais de direitos humanos não parecem tomar em conta este dado. O fato de que a chefe de Estado pertença a tal grupo não deve usar-se para descartar a inclusão de outros antigos membros da guerrilha, já que ela representa neste momento o poder público, e não a parte das vítimas.

O argumento segundo o qual não podem ser colocados na Comissão ex-membros da guerrilha porque seria necessário colocar também representantes dos algozes é uma perversão conceitual que atende ao modelo dos DOIS DEMÔNIOS. Este modelo, como outras barbaridades, foi criado também pela direita argentina.

Em 1984, ao preparar o processo contra as juntas militares, o então presidente Alfonsín comparou o massacre de milhares de pessoas a uma luta entre dois demônios, o “demônio” da “subversão” (as forças que se insurgiram contra a fascistização que culminou na ditadura) e o demônio da repressão.

Obviamente, ninguém é tão anencefálico a ponto de pensar que ambos os tipos de forças se equivalem. Alfonsín usou este miserável slogan para não perder as boas graças nas quais todo político argentino que esteja dentro do sistema (incluído, na época, o partido comunista) quer estar com os militares.

Foi uma medida covarde, porém insuficiente, porque dois anos depois o governo mandou ao congresso uma lei que não só indultava, como justificava os crimes da ditadura.

A proposta de CMV no Brasil tem um tamanho reduzido e seu funcionamento parece pensando para diluir-lhe a eficácia. De qualquer forma, a presença de representantes de Herzog ou Paiva satisfaria a condição de dar voz aos parentes das vítimas não armadas. 

No entanto, há uma falha fundamental: a ausência dos quadros da luta armada. Eles foram os mais afetados, e os que sofreram a repressão mais dura e desproporcional. Também foram os que mais arriscaram. Ao excluí-los, a Comissão parece negar legitimidade ética à luta (algo que deve ser cuidadosamente separado de sua eficiência política, a qual não está em discussão).

Pessoalmente, minha organização nunca apoiou a luta armada como método, mas se pronunciou sempre no sentido de que os lutadores armados deviam ser tidos como vítimas absolutamente legítimas. No caso de La Tablada (Argentina, 2000), consideramos os ex combatentes do grupo TPP como autênticos perseguidos políticos, embora não fossem perseguidos “de consciência”.

Essa também foi a atitude de Paul Benenson (1921-2005), o fundador de Anistia Internacional, em 1978, quando atraiu corajosamente contra si a crítica da esquerda burocrática europeia, apoiando os direitos dos prisioneiros da Rote Armee Fraktion, o grupo guerrilheiro alemão conhecido pelo nome de seus líderes Baader-Meinhof, embora ele, como toda a nossa organização, discordasse dos métodos usados.

A ignorância ou desdém pelas vítimas armadas é uma gravíssima injustiça. Se o problema é que os militares podem ficar zangados, um governo democrático deve correr este risco, se quisermos que a democracia tenha credibilidade no futuro.

16.4.12

COMISSÃO DA VERDADE NÃO PODE IGUALAR ALGOZES E VÍTIMAS!!!

Deu na coluna Panorama Político do jornal O Globo, que geralmente acerta:
"Comissão da Verdade - O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça), por delegação da presidente Dilma, está fazendo consultas e convites para os sete integrantes da Comissão da Verdade. Já estão confirmados o ex-ministro Nilmário Miranda e o cardeal Dom Evaristo Arns. A comissão terá um tucano: José Gregori ou Paulo Sérgio Pinheiro. E um familiar de vítima da repressão pela ditadura militar: Clarisse Herzog, mulher de Wladimir Herzog, ou Vera Lucia Facciolla Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva.

...Estão ainda em aberto as vagas destinadas a um historiador e a um jurista. (...). O sétimo nome será escolha pessoal da presidente Dilma".
Reitero minha afirmação de que é inaceitável o veto a quem pegou em armas contra a ditadura.

Trata-se de mais uma pretensão das bancadas reacionárias do Congresso; já passou da hora de a presidente Dilma Rousseff mostrar a que veio, não cedendo a pressões e chantagens obscurantistas. A igualação das vítimas a seus algozes seria uma afronta para todos que sangramos na luta contra o despotismo e para todos os companheiros bestialmente assassinados durante a vigência do terrorismo do estado.

Não faria mesmo sentido nenhum termos um Jarbas Passarinho ou um Brilhante Ustra defendendo na Comissão os crimes e práticas hediondas pelos quais deveriam há muito ter sido condenados (um na condição de ministro da ditadura e signatário do AI-5, outro por haver comandado o pior centro de torturas da repressão, sendo o responsável último por cada sevícia e cada morte nele ocorridas).

Mas, fará todo sentido um Ivan Seixas, p. ex., estar presente para lutar pelo resgate integral da verdade, como lutou encarniçadamente para resgatar as ossadas de Perus.

Se nós, que participamos da luta armada, formos tidos como desprovidos de legitimidade e isenção para ajudarmos a revelar a história do período, tal objeção deveria, evidentemente, ser estendida à própria escolha dos sete integrantes por parte da companheira Vanda. É simples assim.

O que está em confronto são duas posições bem definidas:
  • a dos que resistimos à tirania e consideramos aberrante a comparação da luta quase suicida que travamos, em condições de extrema inferioridade de forças, com o genocídio e as atrocidades perpetrados pela ditadura e seus esbirros;
  • a dos culpados por tais genocídio e atrocidades, que tentam relativizar as chacinas impunes alegando que "excessos foram cometidos pelos dois lados", de forma que o melhor seria passarmos uma borracha em cima de tudo.
Em nome de sua biografia e de tudo que sacrificamos para travar o bom combate, não cooneste esta infâmia, Presidente!!!
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15.4.12

SARACENI (1933-2012): NO TEMPO DO MEDO, ELE OUSOU LANÇAR O DESAFIO

Morreu Paulo César Saraceni.

Tinha 78 anos e fazia cinema desde 1959.

Em mais de meio século de atividades, dirigiu 13 filmes, nove dos quais também roteirizou.

Foi um dos fundadores do  cinema novo, mas nem de longe fez obras de importância equiparável às dos dois outros parceiros de empreitada: Glauber Rocha (indiscutivelmente, o maior cineasta brasileiro de todos os tempos) e Nelson Pereira dos Santos (bem mais prolífico e realizador de clássicos como Rio 40 Graus e Vidas Secas).

No entanto, Saraceni constituiu-se numa referência muito forte para minha geração, por um único motivo.

Seu O Desafio, lançado em 1965, foi uma resposta cinematográfica à quartelada.

Enfoca os sentimentos de culpa, impotência e prostração subsequentes à vergonhosa derrota sem luta.

Foi o mal-estar que acometeu toda aquela esquerda: supunha-se a um passo do poder, iludida pelo triunfalismo inconsequente do Partido Comunista Brasileiro e seu principal dirigente (Luiz Carlos Prestes), mas acordou ouvindo marchas militares no famigerado 1º de abril de 1964.

E dá-lhe más ressacas! E dá-lhe lavagens de roupa suja! E dá-lhe lutas internas no partidão! E dá-lhe rachas!

Em 1965, a esquerda lambia as feridas e se reconfigurava, voltada para dentro de si mesma. Não reagia.

Aí, foi lançado O Desafio. E --juro!-- o título apareceu pichado nos muros de São Paulo. Só o título, com a tinta escorrendo. Eu tinha 14 anos, via aquilo e nada entendia. Ignorava que fosse uma mensagem vinda das catabumbas: não estamos mortos!

Só em 1967, dando os primeiros passos no movimento estudantil, fui assistir ao filme e compreender o motivo das pichações.

E, francamente, não gostei daquele imenso desencanto que ele flagra, o atoleiro no qual se move Marcelo, o personagem politizado (interpretado pelo Vianninha, de saudosa memória), durante quase todo o tempo.

Mas vibrei com o final, quando ele enfim levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, decidido a voltar ao bom combate.

Isto ficou apenas sugerido, como se fazia necessário sob o tacão da censura. Depois de um porre com um repulsivo colega de trabalho, vão ao apartamento deste, cuja esposa se despe e se-lhe oferece. Antes que ele tenha qualquer reação, o marido acorda e fita ambos, em meio à sua névoa alcoolica. Marcelo empurra a mulher e vai embora, enojado. Desce uma escadaria com expressão resoluta, afaga a cabeça de um menino pobre e se distancia, marchando ao encontro do seu destino.

Tudo isto ao som do tema "É um tempo de guerra", da peça Arena conta Zumbi.

Ou seja, da canção que Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo haviam derivado de uma poesia antológica de Bertolt Brecht, para usar o esmagamento do quilombo de Palmares como metáfora do golpe militar.

Na peça, era a lição que um guerreiro às portas da morte legava aos que viriam depois. Uma sugestão velada também, claro ("Eu sei que é preciso vencer/ Eu sei que é preciso lutar/ Eu sei que é preciso morrer/ Eu sei que é preciso matar"). Só que parecendo algo meio distante, lá pra frente, pois o momento era de derrocada.

No filme, ficou mais fácil perceber que se tratava do passo seguinte, imediato: um recado de que não só a luta tinha de ser retomada, como assumiria doravante características de guerra.

Foi profético. Houve mesmo a guerra, de consequências trágicas para a esquerda (quantos quadros insubstituíveis foram dizimados!), mas inevitável: ela só reconquistaria o respeito do povo caso se dispusesse a sangrar por seus ideais, como deixara de fazer em 1964.

Muitos dos que não pegaram em armas recriminaram nosso  vanguardismo, nosso imediatismo pequeno-burguês. Segundo eles, só servimos para acirrar a repressão e fornecer pretextos para o endurecimento do regime.

Omitiram ter sido exatamente sua tibieza em 1964, quando deixaram de travar a luta em condições bem mais favoráveis, que nos obrigou a assumir adiante a missão quase kamikaze de lavar a honra da esquerda, virando a página da desmoralização e restituindo-lhe a credibilidade.

http://youtu.be/Kel6lI04W5A

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10.4.12

SRª TORTURADOR: SÓ TEME A VERDADE QUEM TEM ESQUELETOS NO ARMÁRIO

A senhora Maria Joseita Silva Brilhante Ustra me critica (vide aqui) por "cercear a liberdade de expressão dos militares da reserva", o que nunca fiz.

Refere-se ao meu inconformismo diante da exaltação impune do golpismo, da tirania, do terrorismo do estado, do genocídio, da tortura, das prisões arbitrárias, do estupro e da ocultação de cadáveres que teve lugar dia 29 no Clube Militar do Rio de Janeiro.

A civilização repudia incisivamente todas estas práticas, dona Joseita.

As nações que fazem respeitarem os direitos civis e humanos punem com detenção quem faz apologia de tais monstruosidades. O proselitismo da prática de atrocidades só é consentido no Brasil em razão da covardia e pusilaminidade de nossos legisladores e governantes.

Se tivessem agido a partir de 1985 como a ONU recomenda, seu marido Carlos Alberto Brilhante Ustra, declarado torturador pela Justiça Civil por ter comandado um dos piores infernos do regime infernal de 1964/85, estaria há bom tempo cumprindo merecida pena de prisão, após um julgamento como o de Nuremberg.

Em benefício dos jovens que geralmente são educados na ignorância daqueles horrores, bem como dos idosos que só recebiam informações censuradas e distorcidas, vou citar aqui a definitiva avaliação que a revista Época (vide aqui) fez de tal personagem:
"Entre 1970 e 1974, Ustra foi o comandante do DOI paulista, uma antiga delegacia reformada na Rua Tutóia, na Vila Mariana, em São Paulo. Lá funcionou o mais conhecido centro de torturas do regime militar que governou o país entre 1964 e 1985. Ustra assumiu o comando no apogeu da repressão. Durante sua passagem, o número de mortes e desaparecidos é calculado em 47 pessoas.

...As denúncias de tortura chegam a muitas centenas. Era um período de tanto medo e tanta insegurança que as famílias ficavam felizes quando liam num jornal que um filho fora preso. A publicação da notícia dava ao menos a esperança de que, embora estivesse condenado a padecer sob tortura, ele poderia ser encontrado com vida nas semanas seguintes.
 ...Ustra acabou identificado como símbolo daquilo que o regime militar brasileiro produziu de mais nocivo – a crueldade, a morte, o desaparecimento, a violência contra cidadãos desarmados e sem defesa"
São inuteis seus esforços para tapar o sol com a peneira, dona Joseita. O veredicto da História sobre Ustra já é definitivo e foi sucintamente expresso pelo ex-ministro da Justiça José Carlos Dias numa frase antológica: “emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar”.

Sua grotesca impunidade dá razão ao juízo sobre o Brasil que é atribuído a Charles De Gaulle, de não ser um país sério: não há lugar nenhum do mundo em que seja outorgado aos mais desalmados tiranos e a seus mais terríveis esbirros o direito de anistiarem a si próprios, em plena vigência do despotismo, como um habeas corpus preventivo para evitarem punições após a saída das trevas.

O Supremo Tribunal Federal avalizou esta ilegalidade e imoralidade. Caso os nazistas houvessem tido a mesma idéia, sem que ninguém impedisse os loucos de ditarem as regras no hospício, inexistiria o Julgamento de Nuremberg.

Também recuso a pecha de  machista, pelo menos da forma como a senhora me quis rotular.

Ao qualificá-la de alegada  administradora do site A Verdade Sufocada, não foi por duvidar de sua capacidade intelectual para administrar uma página virtual.

Foi, pelo contrário, porque é muito difícil para mim aceitar a idéia de que uma mulher seja a responsável última por tal depósito de imundícies.

Ficaria igualmente chocado se me dissessem que uma mulher pilota um site de pedófilos, p. ex.

Concedi-lhe o benefício da dúvida, admitindo a possibilidade de tratar-se apenas de outra Eva Braun ou Clara Petacci. Elas ligaram seus destinos a abominações, mas não se acumpliciaram com atos abomináveis.

Infelizmente não é o seu caso, dona Joseita, conforme fiquei depois sabendo, a partir de uma busca virtual. Posso até desculpar as falácias e bobagens que escreve a meu respeito, mas jamais perdoarei a utilização do nome de suas inocentes crianças numa canhestra tentativa de fazer crer que Ustra não fosse um ogro.

Lembra? Foi em 1985, quando Bete Mendes, grande atriz e extraordinária mulher, arrancou a máscara do seu marido, que até então escondia dos brasileiros seu passado infame de  dr. Tibiriçá.

Ainda é encontrada na web (vide aqui) a mensagem que a senhora teria manuscrito apenas para suas filhas Patrícia e Renata, mas foi amplamente divulgada pelo Ustra nos espaços virtuais ultradireitistas, como o site do Grupo Guararapes.

Nela se pinta um quadro absolutamente fantasioso do que era o DOI-Codi, conforme se constata neste parágrafo (há muitos outros na mesma linha):
"...nos 'porões da tortura', como eles chamam, onde 'se ouviam gritos e se mostravam presos mortos à pauladas' como eles dizem, participei e tu também, Patrícia, ainda que pequenina (3 anos) de uma pequena 'obra assistencial' a algumas presas, mais ou menos seis, uma inclusive grávida. Íamos quase todos os dias. Tu brincavas com algumas enquanto eu, com outras, ensinava trabalhos manuais como tricô, crochê e tapeçaria. Passeávamos ao sol, conversávamos (jamais sobre política), levava tortas para o lanche feitas pela minha empregada. Enfim, as acompanhávamos"
É este o local em que 47 dos melhores cidadãos que este país produziu foram abatidos como cães e centenas de outros sofreram suplícios atrozes?

É este o local em que Ivan Seixas, então um menino de 16 anos, foi torturado juntamente com o pai Joaquim Seixas (em seguida assassinado) com tamanha violência que a algema que os ligava se rompeu?

É este o local em cujas celas várias vezes estive de passagem para depor nas auditorias paulistas (pois era prisioneiro do 1º Exército), mas o suficiente para ouvir a barulhada da pancadaria, os gritos desumanos dos torturados e, mais tarde, seus relatos agoniados?

É este o local em que, na minha primeira passagem, o comandante anterior ao seu marido fez questão de me mostrar, orgulhosamente, o trono do dragão, cadeira metálica na qual as vítimas eram atadas para receber choques elétricos?

Por último, dona Joseita: é inútil tentar desqualificar-me repetindo velhas acusações que faziam contra mim antes que a verdade histórica fosse restabelecida... exatamente com base naqueles documentos secretos que os antigos torturadores negam existir, mas utilizam a todo momento na sua propaganda enganosa e em suas campanhas de satanização dos heróis e mártires da resistência à tirania.

Nem que eu fosse mesmo culpado das fraquezas que me atribuíram erroneamente, ainda assim não passaria de um jovem que aos 17 anos assumiu, por amor ao povo brasileiro, o risco de confrontar uma ditadura assassina.

Nunca isto servirá como atenuante para um militar que, com o amadurecimento dos seus 35 anos, aceitou cumprir ordens ilegais e hediondas, cometendo indiscutíveis crimes contra a humanidade.
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